sábado, 3 de março de 2012

Memórias de Robson Luy I

Eu vi o velho
(ou Como vovô viu a uva)

Festa na casa da minha tia em Shangrilá. Eu tinha quatro anos e estava com meus primos brincando dentro da Rural do meu tio, na frente da casa. De repente, eles me disseram que o Velho do Saco estava vindo na esquina, me pegar. Me trancaram no carro e foram embora. Não é que o Velho do Saco vinha mesmo?! Todo sujo, carregando um saco de estopa naquela rua escura e vazia. Gritei, gritei, gritei tanto que mesmo com os vidros fechados e com o barulho da festa correndo solta lá dentro, todos vieram me acudir. Acho que até o mendigo que arrastava aquele saco se assustou. Meu pai me pegou e eu me acalmei. Afinal, estando com meu pai, que velho iria se atrever a chegar perto de mim?

Meu pai era o cara, sabia tudo, plantava, criava bichos, sabia juntar um tijolo com outro, tinha serrote, espingarda e era do Exército. Qualquer problema no bairro, podia ser de madrugada, lá vinha alguém no portão e gritava: “Seu Chagas! Seu Chagas!”

Uma vez, quando não sei o quê explodiu em Duque de Caxias, as pessoas foram parar a pé em Belford Roxo, andando pela rua. E lá em casa virou uma enfermaria, dizem meus irmãos.

Depois que ele saiu de casa, de vez em quando, minha mãe me levava no quartel e a gente passava o dia lá com ele. Foi num desses dias, de tarde, com a luz do sol entrando atravessada no quarto escuro do rancho onde ele ficava pra cuidar dos cavalos, que percebi umas rugas que ele tinha na testa e os pés-de-galinha em volta dos olhos. Eu pensava: Como é que ele deixou isso acontecer? Comigo não vai ser assim. Quando minha testa começar a dobrar vou esticar com a mão e impedir que fique marcada.

A última vez que vi meu velho ele já estava muito velho, ao lado de sua última esposa, e eu me indispus com ele por que insistia em propor uma negociação de divórcio furada para minha mãe. Acho que fui o único filho do Seu Chagas a ter coragem de enfrentá-lo desta maneira. A gente ficou de mal e nunca mais nos vimos. Isso foi há mais de 15 anos.

Outro dia o encontrei de novo. Foi de repente. As mesmas rugas na testa, os mesmos pés-de-galinha, o mesmo bigodão. O mesmo.

Quando ele começou a aparecer, fiquei preocupado com seu futuro e passei a pagar um plano de previdência. Fazia tempo que a gente não se via e era bom nos ver de novo.

Agora a gente se vê todos os dias, pela manhã, quando faço minha barba no banheiro e paro na frente do espelho.

Robson Luy Conhecido por suas performances irreverentes, o cantor performático tem em seu currículo experiência em rua, palco, cinema e teatro é formado em Artes Cênicas- Cenografia, Pós Graduado em Docência do Ensino Médio e Fundamental e trabalha com design gráfico.