domingo, 24 de abril de 2011

EDIÇÃO SEIS

De novo por aqui em menos de uma semana, mas é o seguinte: quando postei os contos do EnContos VS PE, avisei que era apenas uma Edição Especial. A partir deste número todos os contos serão publicados apenas no Blog do EnContos. E garanto que será uma boa leitura para a tarde pós almoço de Domingo de Páscoa ou para a preguiçosa manhã de segunda pós feriadão. Vamos a sexta edição:

Começo contando a história do MANHÃS DE OUTONO. Reuniões que fazíamos para pintar o sete (com fotos gentilmente cedidas pela amiga Sil),

Depois crio mais uma coluna chamada MEU POVO, começo falando do meu saudoso amigo LOBO que amanhã faria aniversário,

Resenho o disco LEVANDO A VIDA ASSIM de PENNA FIRME, conto como nos conhecemos e ainda dou o link para baixarem o seu som,

Falo sobre o ESPAÇO MUDA localzinho cheio de charme aqui de Recife

E por último indico o BLOG TIRANDO DA GAVETA... MUITA MANOBRA de HUGO MENDES GUIMARÃES. O Hugudão!

Espero que gostem, Feliz Páscoa a todos e

Um beijo um queijo e um beliscão de caranguejo!

MANHÃS DE OUTONO

Quando Moduan Matus e Sil assumiram o Raízes, quadros, esculturas e objetos decorativos criados por seus freqüentadores pintaram por lá. Fiquei surpreso em saber que alguns daqueles camaradas - com quem bebia - também eram afeitos as artes-plásticas. Desde criança desenho e pinto (amadoristicamente, como quase tudo que faço) e muitos daqueles amigos também exerciam tais hobbys com discrição ou ainda em segredo.

Então me lembrei de uma história que Lafayette Suzano me contou anos antes. Disse-me que há tempos atrás, ele, sua esposa Luciana, Henrique Souza, Luisa Sant’Anna, Mauro Almeida (J.Marujo) contrataram o artista plástico Orlando Rafael para ministrar um curso de pintura que realizavam todos os sábados em seu apartamento. E que depois dos quadros pintados, deitavam-se no chão da sala e ficavam olhando para a parede repleta com as criações daquela aula. Avaliavam então a obra de cada um. Uma por vez.

Fiquei com aquilo na cabeça por anos, até que numa noite bebendo com Lafa e Domi Júnior sugeri a recriação deste evento para os artistas anônimos do bar. Começou ali o que veio a ser um dos grandes momentos da minha existência.
O outono sempre foi minha estação preferida do ano, pois não é quente como é o verão e nem frio como é o inverno. E as cores ficam muito, mas muito mais vivas nesta época do ano (pelo menos em Nova Iguaçu). Depois de alguma objeção quanto ao nome MANHÃS DE OUTONO realizamos a primeira edição na praça em frente ao Raízes.

O vereador Carlos Ferreira (Ferreirinha) patrocinou as 20 primeiras telas e as tintas para o evento. Moduan entrou com a feijoada e nós com a vontade de pintar. Teve outra proposta ainda, que pintássemos sempre ao som de música clássica. Lembro-me do momento em que começou a tocar “Primavera de As Quatro Estações” de Vivaldi e todos voltarem a pintar com tamanha paixão que fiquei emocionado.

Foram lindas manhãs (muitas delas, tarde ou até mesmo noite) onde a música clássica, as pinceladas, a temperatura, os amigos, a cerveja gelada (sempre ao lado de nossos cavaletes) se misturavam num amálgama etéreo.

Os transeuntes sempre paravam para uma espiada, puxar uma conversa, opinar, elogiar ou nos olhar com aquela típica expressão: “Esses caras são muito loucos!”

Depois de pintados tínhamos uma espécie de vernissage instantânea, pois pendurávamos imediatamente todos os quadros nas paredes do Raízes e ficávamos ali olhando a produção, discutindo cada obra com sorrisos largos, olhares marejados e a sensação de dever cumprido.

O Manhãs de Outono aconteceu em bares (Raízes, Sucata’s, LeMustache,etc) em praças (de Tinguá, de Cabuçu, etc), casa de amigos (Carlinha, Mauro Coutinho, Eira, Henrique Souza, etc), escolas, centros culturais. Algumas edições foram inesquecíveis como quando pintamos na Reserva da Gleba Modesto Leal em Nova Iguaçu onde tinha artistas plásticos até nas pedras da cachoeira.

Terminávamos sempre fazendo uma grande roda onde dançávamos a “música do índio” uma canção tribal que virou nossa marca para o encerramento numa espécie de catarse coletiva.

O “Manhãs de Outono” não foi, ainda é (pois ainda está vivo) um evento de artes-plásticas. É muito mais que isso. É a comunhão descompromissada entre amigos se comunicando através da arte e do amor. E tenho dito!

MEU POVO: LOBO

Sérgio Gama Lobo, o Lobo do Bar. Conheci o “velho sujo” num Evento em Niterói no DCE da UFF. Eu, Alcides Eloy e Jr. Júnior (Decúbito Dorsal) e Sandro Marschhausen fomos declamar poemas lá e compramos 250 latinhas de cervejas.

Bebendo todas no “fundão” do Teatro, vibrávamos a cada poeta que subia ao palco com a empolgação de moleuqes bêbados. O Desmaio Públiko já estava consolidado como um canal de divulgação para poetas iguaçuanos e d’outros cantos do Brasil. Num determinado momento daquela noite subiu ao palco um poeta de barbas brancas, chapéu, colete de fotógrafo e voz gutural. Eloy começou o corinho: “Kenny Rogers, Kenny Rogers” e rimos muito, mas a poesia daquele bardo me chamou a atenção. No final das apresentações fui até o seu stand onde vendia seu livro. Apresentei-me e comuniquei que já o havia publicado em nosso periódico o que deixou aquele “coroa” feliz como um menino em dia de Natal.

A partir daquele momento tivemos uma relação estreita com Niterói e Lobo com Nova Iguaçu na qual ele chamava de seu “Domicílio Poético”. Lobo havia lançado o livro “Letras ao Portador” pela Editora Cromos em 1992 e estava em plena divulgação. Logo os poetas do Desmaio viraram sua “banda de apoio” para todo e qualquer lançamento. Fizemos em Nova Iguaçu, Niterói e ainda fomos para Curitiba na Feira do Poeta, viagem histórica para mim.

Tempos depois, junto com Moduan Matus criei o projeto COBAIA para edições de livrinhos alternativos, impressos numa HP Laserjet da empresa em que eu trabalhava na época. Acabamos lançando o segundo livro do Lobo: “Poemas Sujos de Um Velho” – Uma coletânea de poemas escatológicos e pornográficos que coube bem ao formato “fanzine” de nossas publicações. Lobo estava com um livro pronto “Lobotomia”, mas que infelizmente não viu a luz do dia ainda, pois Lobo veio a falecer em 2002 deixando um grande vazio para todos nós.

Lobo era alegria pura. Às vezes lembrava uma criança deslumbrada com um novo brinquedo, outras vezes era crítico e mordaz como um sátiro impiedoso. Leitor compulsivo, Lobo falava quatro idiomas e lia – recorrendo a sua coleção de dicionários – em outros tantos. Era um admirador de várias vertentes artísticas. Adorava quadrinhos, jazz, cinema, poesia, história, colecionava chapéus, fumava charutos e adorava uma mesa de bar.

Tive a honra e o prazer de compartilhar vários e vários momentos ao seu lado e até hoje sinto muita falta deste amigo talentoso, atento e visceral. Amanhã (25/04) Lobo faria aniversário. Fica aqui minha homenagem, prometendo em outra oportunidade contar historinhas deliciosas das andanças de Sergio Gama Lobo pelo nosso mundo.

Segue um dos meus poemas preferidos de seu primeiro livro:

PARA EVITAR ACIDENTES

Ao saires de minha vida
Certifique-se
De não teres deixado esquecido
Algo do afeto
Que nos unia

Ao saires de minha vida
Certifique-se
De não teres deixado
Ainda acesa
Brilhando
Algo da chama
Que nos aquecia


LEVANDO A VIDA ASSIM – PENNA FIRME

Penna Firme veio ao Recife para o Porto Musical 2011 (Convenção Internacional de Música e Tecnologia) e Roger Hitz me ligou avisando e intimando: “Recebe meu parceiro Penna aí”. Marquei com ele no Recife Antigo num dia de shows gratuitos na Rua da Moeda em fevereiro. “Alô Penna, é o Cézar Ray, estou aqui embaixo da estátua de Chico Science” ele: “Porra, eu também”.

Dali em diante nós ficamos brothers. Fui ao Rio em março e cheguei exatamente no dia de um show dele no Centro Cultural Carioca na Praça Tiradentes, e claro, fui lá prestigiar meu amigo. Penna Firme é dessas pessoas fáceis de se gostar. Que te seduz num primeiro momento. Atencioso e inteligente, de conversa fácil e ouvidos atentos, por onde passou por aqui deixou seu rastro de simpatia. Como canta em sua música que batiza seu disco de estréia, Levando a Vida Assim: “Para tudo que é parceiro, que é amigo, que é maneiro eu dou o maior valor. De que que vale a vida, se não for vivida assim, desta maneira?”

Seu disco tem 10 faixas onde passeia pelo suingue carioca, com pitadas de funk, samba, pop rock que às vezes lembra Lenine, outras nos leva para dentro de gafieiras com a elegância de um Wilson das Neves. Com participações especiais de BNegão e da bela voz de Nina Wirtty entre outros ilustres músicos, LEVANDO A VIDA ASSIM é um disco que tem a mesma facilidade em agradar como temos em gostar de Penna Firme. Ouça aí, camarada, e me desminta se puder!

Segue um link para vocês baixarem gratuitamente o disco:





ESPAÇO MUDA

Convidado para ir a um show, de Rogerman, por Giva e Dani no Espaço NAVE, marcamos no Borburinho para os aquecimentos cervejais e de lá partimos de taxi para a Rua Capitão Lima em Santo Amaro. A rua estava lotada, e como nem Giva e nem Dani conheciam direito o espaço onde seria o show, descemos enfrente ao Espaço MUDA que estava bem iluminado e florido de pessoas bacanas em sua decorada porta.

“Saí entrando” e descobri um dos lugares mais charmosos de Recife, onde Moda, Artes Plásticas, Teatro, Pocket Show, Boa Comida, Bom Gosto, dialogam entre si com intimidade única.

Comprei logo uns R$30,00 de cerveja (long-necks) em tickets e fiquei ali explorando a casa. Só depois descobri que o show não seria ali. Cada cantinho do Espaço Muda tem seu próprio encanto. Esses cantinhos são divididos assim: Galeria Muda, Espaço Moda, Cantina do Beco e Espaço Galpão. Decorados com a elegância da reciclagem, onde móveis velhos (ou antigos), iluminação sensível, cartazes bem feitos decoram um corpo como roupa e acessórios fazem com uma pessoa de bom gosto. Equilibradamente!

Jorge Féo, diretor do Espaço é muito atencioso e aberto a sugestões e a agenda da casa. Com seu apoio, Denise Dantas pode produzir o show de Roberto Lara por lá. Ainda que a casa careça um pouco de infraestrutura adequada para um show musical, o espaço é ótimo e do tamanho exato para um show de pequeno porte, que dependa de pouca divulgação e para lançamento de novos talentos.

O Espaço Muda é uma surpresa muito agradável, não só para Santo Amaro, mas para todo o Recife. Recomendo a todos que estiverem pelas redondezas que dê uma chegada por lá. Confira a agenda sempre diversa e divirta-se!

Espaço Muda
Rua Capitão Lima, 280 - Sto Amaro - Recife, PE (ao lado da TV Jornal)
tel: +55 81 3032 1347 ou 8839 4008

TIRANDO DA GAVETA – MUITA MANOBRA

O Blog de Hugo Mendes Guimarães não é um blog de contos ou de poemas. Está mais para um grande diário de bordo das navegações que promove em suas lembranças. Hugo é muito mais um contador de causos que um escritor com pretensões acadêmicas. Não espere textinhos corretinhos. Espere sangue, suor e gargalhadas. E é isso que torna seu blog saboroso.

Não há preocupação com a forma, mas sim com o conteúdo. E aí você cai num caldeirão se sensibilidade e de histórias curiosas sobre sua nova vida na Região dos Lagos, sobre lembranças infantis ou ainda (onde ele sempre manda muito bem) no quase tributo em vida ao seu pai, Fernando Gudo.

Mas quando digo que não é um blog de poemas, não pensem que não há poesia. Pelo contrário, seus textos são repletos de poesia. De graça. De espontaneidade. Se há ficção ali eu não sei. O que sei é que comecei a ler e não parei mais, consumindo com emoção cada frase, cada palavra, cada cantinho de recordação.

Talvez, para quem não conheça-o, para quem não viveu no Monte Líbano em Nova Iguaçu, para quem não conviveu e não conviva com o Gudo, para quem não saiba o que seja o Poesia & Cia, para quem nunca tenha ido a Iguaba ou a Búzios e nem imagine o que seja o Mondrongão, talvez... e digo talvez, seus textos não tenham a mesma importância que tenham para mim.

Mas fazer o que? Estou aqui para indicar as coisas que me são relevantes neste mundo. E o Blog Tirando da Gaveta – Muita Manobra é muito, mais muito precioso para mim!!

Hugo Mendes Guimarães, ou simplesmente Hugudão é poeta, amante da vida, das palavras, do vento e das cachoeiras. E ex alimentador de traças. No final dos anos 90 com Thiago Mattos, Daniel Cedrack e Leon Sake criaram o fanzine Poesia & Cia.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

EDIÇÃO ESPECIAL EnCONTOS vs PE

Caramba! Estava amarradão para publicar uma nova edição do Zarayland e só esperando o Encontos versão PE para poder fazê-lo. Ele aconteceu quinta-feira (14/04/11) aí na sexta, ressaca demais para pensar. Sábado acordei e fui à praia. Domingo visitas. Segunda e terça trabalho demais que nem respirei. Hoje, quarta-feira é que estou atualizando o Zarayland!

Quinta-feira foi um dia bacana. O EnContos versão PE foi muito melhor do que eu esperava. Realmente, não achei que iria ser tão bom como foi. As 18h caiu uma chuva pesada que me deixou mais desconfiado quanto a presença dos convidados. Mas coloquei minha camiseta do Zarayland e parti. O Banquete estava vazio e com a chuva eu, Denise e VanSan tivemos que nos sentar dentro do bar. O curioso é que a chuva que a princípio achava que seria nossa inimiga, proporcionou uma experiência bem mais aconchegante, pois ao invés de fazermos a leitura ao ar livre, fomos para o espaço fechado, climatizado onde só nós – os interessados – podemos nos divertir com nossas criações.

First a sugestão de VanSan que gerou os contos...

Bom,
Hoje quando Mari e eu íamos para o estúdio vimos um cenário curioso. A janela de um prédio em chamas e um carro de bombeiros estacionado ao lado. Não havia ninguém gritando e nenhuma cena de desespero, apenas um fotógrafo amador registrando tudo. Começamos a imaginar qual seria o motivo daquele fogo todo e surgiram várias idéias viajadas.
Então pensei, porque não usar isso como tema do nosso conto. Janela em chamas. Incêndio sinistro. O início do fogo. Sei lá, algo do tipo. Acredito que surgirão histórias bem legais.
Beijinhos!
Vanessa Santana

Daí, Eu, Denise Dantas, VanSan, Sil, Odervan Santiago, Seu Gelson e Kaio Friedrich escrevemos nossos textos. Poucos... Esperava mais, contudo beleza. A escritora Gerusa Leal levou um conto que abordava o tema, mas que já havia escrito antes coincidentemente. O que me surpreendeu foi como os presentes – que mal sabiam da proposta – se empolgarem com a idéia e compraram o barulho. Maria Lucia Moura, Gerusa Leal, Bruno Piffardini, Silvia Robalinho, Rô Gonzaga, Isabela Mendes, Álvaro, Vitória Gabrielle, Kaio Friedrich, Denise Dantas, VanSan e eu fomos os priveligiados por esta noite histórica. Deliciamos-nos com contos (do tema e não) e compartilhamos de um momento único. Van leu meu conto “Muitos Anos de Vida” que arrancou lágrimas de alguns presentes. Rimos com Lúcia e Bruno, falamos de Sartre e Camus, viajamos com Georgia e fizemos alianças. Muitos dali não se conheciam, mas passamos a ter uma união mágica que só a literatura pode nos dar.
Simples: Foi duca!

Obrigado ao Banquete, ao Bruno Piffardine e a todos os presentes!

PRÓXIMO TEMA:

“Certa vez, Denise e eu bebemos num bar até altas horas, fomos para minha casa e continuamos bebendo e conversando até tarde. Dormimos. Denise acordou no meio da madrugada, não sei se bêbada ou sonâmbula com o seguinte questionamento: Cadê o Cézar? E me acordou fazendo esta pegunta. Não dei bola e prossegui nos braços de morfeu. Ela então ficou ligando para meu celular e de repente se perguntou: Cadê Denise? E saiu nos procurando pelo apartamento como uma louca, até chegar a seguinte conclusão: “Ah não, passamos o dia só eu e ele aqui, Cézar e Denise não estavam aqui”. Penna Firme fez música, Urian discutiu filosofia sobre isso, rimos e sacaneamos o evento, mas decidimos que o próximo tema será: “Cadê Denise?”. Mãos a obra!!!!

Para mais fotos do Primeiro EnContos Vs PE acessem:

SINISTRO!!!

Aquela cabeleira de fogo se alvoroçava ao vento, janela à fora. Abaixo, o caminhão do corpo de bombeiros já instalava sua escada para alcançar e apagar o incêndio, antes que espalhasse.
Além disto, nada ali indicava perigo. Nenhuma correria, nenhum desespero. Nada! No entorno, as pessoas nas ruas, circulavam tranquilas. Só eu, atônita, preocupava-me com a situação. O entra-e-sai no prédio parecia normal. Só os carros atrás do meu é que faziam algum alarde: é que, o sinal abriu e eu continuei no mesmo lugar. (É a pressa de não sei o quê).
Mas, tudo isso, foi por pouco tempo. Mesmo encasquetada com aquela imagem que me falava, tive que seguir o fluxo dos carros, da rua, do mundo... Olhei só mais uma vez àquela flâmula, que agora me acenava em despedida.

Sil,
28/02/2011

Sil é Designer, Animadora Cultural e escritora. É uma das participantes fixa do EnContos em Nova Iguaçu. Tem um livro de poemas publicado: Miscelânias de 2006.

UM BOM DIA PARA MORRER

Lord Jay, estava sentado diante da janela. Um dia nublado e melancólico. Um bom dia para morrer, pensou. Mas, permanecia ali, sentado, olhando as pessoas passarem.

Lord Jay, lembrava dos dias de glória. O “Lord,” era por conta de uma brincadeira de um amigo de infância, da realeza, é claro. Era tudo muito glamoroso. Festas, mulheres, dinheiro, mansões, e, sobretudo, diversão, muita diversão. Jay, parecia mesmo um Lord. Tinha traços harmoniosos, aparência refinada, roupas caras e atitudes nobres. Seus gestos eram ensaiados e comedidos. O arquétipo da nobreza.

Não havia uma pessoa sequer no mundo que pudesse trocar confidências. Acostumou-se ao mundo das aparências. Repleto de gestos vazios e mentiras verdadeiras.

Repassava mentalmente as circunstâncias que o levaram àquele condição de vida. Olhou para o seu relógio de ouro rosado, Patek Philippe 2499, e constatou que faltavam apenas quinze minutos. Bastante tempo para desistir, aliás, para desistir, bastava um milésimo de segundo. De qualquer forma, ele já havia começado.

Acende um charuto cubano e dá algumas baforadas. Em pouco segundos o cheiro se espalhou pela sala. Ele agora estava envolto em fumaça densa. A cada minuto que passava seu coração batia um pouco mais rápido. Lord Jay, planejou tudo, mas nada poderia prepará-lo para aquele momento. Nunca pensou que tivesse coragem. Mas a coragem e a covardia são gêmeos univitelinos. Que seja. Ele pensou muito, antes de tomar a decisão. Algo precisava ser feito. Uma vida vazia era pior do que uma morte lenta e sofrida. Quantas vezes acreditou que poderia reverter a situação. Jay, sempre foi muito detalhista. Precisava ter o controle nas mãos. Levantou-se e observou o cadáver que jazia no chão da sala. Olhou mais uma vez para o relógio. Faltavam oito minutos para completar uma hora, desde de que aquele homem chegara à sua casa. Lembra de como foi fácil imobilizá-lo com uma injeção no pescoço. Era um pobre coitado que morrera dignamente. Estava mendigando quando o encontrou. Prometeu que lhe daria uma vida melhor, desde que chegasse em sua casa sem ser visto. Era uma questão princípios, explicou. Uma caridade anunciada não era bem visto no reino de Deus. As pessoas praticavam o bem para serem admiradas. O verdadeiro altruísta não chamava a atenção para si. Por um momento achou que ele não acreditaria na sua história, mas enganou-se. A ingenuidade era uma benção para aquele miserável.

Faltavam cinco minutos. Chegou a hora. Lord Jay saiu pela porta de serviço e, cuidadosamente, para não ser visto, desceu as escadas até o térreo. Eram apenas dois andares. Antes de sair na rua olhou para ver se havia alguém. Era um horário de pouca circulação. Não haviam câmeras ou porteiros. O prédio estava sendo desocupado para dar lugar a um centro comercial.

Atravessou a rua e entrou em um carro que estava estacionado. Salete, que estava sentada no banco do motorista, lhe sorriu afetuosamente. Ela era pontual. Ele gostava disso.

Um enorme clarão veio do prédio. Os dois se viraram para ver o fogo arder. Em pouco tempo, as labaredas cresceram muito. O centro da cidade ficava deserto no final de semana. Até que os bombeiros chegassem, todo o prédio já teria sucumbido. Ninguém perderia tempo examinando aquele corpo carbonizado. Só havia um morador naquele prédio, e era ele, Lord Jay. De certa forma, era fascinante ver o fogo destruindo tudo. Uma força implacável da natureza. Imparcial. Que destrói qualquer um que esteja no seu caminho. O dia estava terminando. A fumaça ia ganhando o céu. Não havia ninguém para testemunhar aquele espetáculo. Apenas Jay e Salete. Ela era a única beneficiária do seguro de vida que ele fizera à um ano. Estavam prontos para um novo recomeço. O carro se afasta lentamente. Logo os bombeiros chegariam. Tinham uma longa viagem a fazer. Através do espelho retrovisor, Jay, ainda pode observar o fogo terminar de escrever a sua história.

Odervan Santiago

Odervan Santiago é fotógrafo e às vezes dá uma de ator em alguma novela Global. Estava na nossa primeira experiência em escrever contos sobre um mesmo tema em 1995.

INCÊNDIO

Aquela dor que afaga dentro do meu corpo sem precedente.
grita e berra em desespero ardente!
aquele incêndio que consome minhas veias,
contrai meus dedos dos pés e rasga minhas meias!
Pedindo, implorando por um tempo sem dor!
Sabia que era causada pela minha própria irresponsabilidade
- malditos sentimentos descontrolados -
pior é saber que só o tempo pode aliviar esse meu fardo.
Doía e gritava,berrava, chorava e queimava,
mais lá no fundo eu sabia,
que essa gastrite era o incêndio no meu serrado!

Kaio Friedrick

Kaio Friedrick é designer especializado em 3D. Fã da banda Eddie e um dos meus primeiros amigos aqui em Recife.

ASSIM É A MORTE

Eu vim aqui para contar para vocês como é estar morto. É simples! A gente quando está vivo fica grilado, pensando e especulando um monte de baboseira. Que nada! Morrer é simples e depois de morto é muito parecido com estar vivo. Ficamos com a aparência da época em que morremos. Por isso tem muito, mas muitos velhos lá. Ah, também não existe céu e nem inferno. É a mesma bosta, gente ruim e gente boa no mesmo caldeirão. Até porque se fosse para quem pecasse ou tivesse sido mau em vida ir para o inferno, ele estaria lotado e o céu vazio, vazio...

Morri em Jaboatão dos Guararapes em Pernambuco. Num incêndio. O bairro chama-se Piedade, mas Zé Maria não teve piedade de mim não. Levou-me. Pegou-me pelos braços e quando vi, acordei lá. Parecia um hospital. Pensei que tivesse julgamento, anjos, querubins, Deus num trono de cristal... Que nada! Vêm uns caras com disposição de funcionário público, fazem uma ficha e te liberam. Aí tu sai e vai procurar gente conhecida. Algumas vêm te receber, outras não estão nem aí. Já morreram querem mais é uma nova vida (ainda que estejam mortas).

Que nem aquela história dos velhinhos que ficaram casados 60 anos até o marido morrer. Quando a esposa faleceu alguns anos depois foi correndo procurar por ele. Quando o encontrou ele estava com umas mortinhas novinhas (piriguetes do além), cheio de lero-lero. Ela chegou na maior autoridade e ele rápido disse logo: “Peraí mulher, eu prometi até que a morte nos separe!”. Tem gente que é assim, aturam os outros, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, parentes só enquanto estão vivos. Depois de mortos querem mais é que se fodam!

Eu nem me lembrava como acontecera o ocorrido. Procurei um desses funcionários que me fez preencher um monte de formulários para poder assistir somente ao meu último dia na Terra e o seguinte, data de meu enterro. Eu pensava que depois de morto a gente tivesse livre acesso as coisas da vida. Que nada. É uma burocracia da bexiga! Não se pode espiar os parentes vivos, não se pode olhar o passado, nem dar uma de fantasma pode. “Só uma assustadinha na minha sogra?” Nada. É pior que estar vivo. É um não pode, não pode, não pode...

Descobri umas coisas sobre morrer também. Não existe esta coisa de data pré-determinada. A gente é que vai fazendo as cagadas que nos levam diretinho para o fim. Comigo mesmo foi assim. Fiz uma merda que resultou nisso.

Quando era menor o medo da morte era danado. Pensava nela e chegava a dar uns troços. Depois fui ficando mais cascudo e encarando o inevitável com algumas exigências: não sofrer, que acontecesse rápida e indolor, que não fosse vergonhosa (certa vez deitado embaixo de um coqueiro na Coroa do Avião, um coco caiu ao meu lado. Já pensou: “Morreu com uma cocada no coco” a manchete do dia seguinte).

Mas o que eu queria mesmo era morrer depois de ficar famoso. Tudo bem que não fiz nada nesta direção. Minha vida sempre foi muito mais ou menos. Sem grandes atos, sem grandes aparições, sem flashes ou holofotes. Minha maior notoriedade foi numa entrevista para TV do presidente Lula em uma de suas visitas ao Recife em que eu aparecia ao fundo sorrindo e dando tchauzinho. Todo mundo: “Bem vi você no Jornal” ou “Era você atrás do Lula, não era?”. Enfim uma vida sem glamour algum. Mas pelo menos na hora de me despedir, poderia ser em grande estilo. Salvando a vida de alguém, num acidente de avião ou, sei lá, num ataque terrorista. Eh, acho que desperdicei minha vida vendo televisão...

Fui um fumante inveterado durante décadas e até achava que o câncer é quem seria o meu algoz. Sempre gostei de uma cervejinha (podem tirar o cavalinho da chuva que na morte não tem cerveja e foi aí que eu descobri que paraíso não existe) e foi por conta desta combinação que eu vim parar aqui. Quando acompanhei os momentos antes de minha morte e o próprio instante em si, vi como nossas vidas são frágeis e que para estar assim, morto, basta tão pouco. Um descuido e "fui..".

O pior é que morri sem status nenhum. Um incêndio tirou a vida de uma pessoa (euzinho) – e olha que as chamas eram altas, minha janela parecia a boca de um dragão – e mesmo assim só tinha uma fotógrafa amadora. Amadoríssima! Nem unzinho que fosse profissional de qualquer jornal mais peba de Pernambuco estava passando na hora. E o pior, a menina era tão inexperiente que a foto nem pode ser vendida ou aproveitada. No dia seguinte ela mostrou ao seu chefe que disse: “Isso é um incêndio? Parece alguém na janela puxando a brasa de seu baseado”. Pense numa foto boa...

E meu azar foi tão grande que quando os bombeiros foram atender o sinistro e ligaram a sirene (eu sempre adorei a sirene dos bombeiros, quando era pequeno saía correndo para a rua de onde estivesse só para vê-los passando), ela pifou. Ou seja, não fizeram um pio durante todo o percurso. Bombeiro sem esporro é o mesmo que muriçoca sem violinos desafinados, picam, mas não irritam. Acabei morrendo sem nenhuma nota em jornal. O incêndio lambeu meu apartamento inteiro, me matou e só virei um boletim de ocorrência.

Quando fui preencher minha ficha com os “burocratas celestiais” eles até fizeram troça da minha "passagem", mas como ainda não estava familiarizado com a morte, como estava assimilando o que havia me acontecido e como nem sabia ao certo o que ocorrera, passei batido. Mas se na hora eu soubesse o que sei hoje, ah, isso não ficaria assim não. Mas não ficaria mesmo!

O Santa Cruz havia jogado aquela noite e perdido mais uma vez. Assisti ao jogo no bar Jabá. Bebi várias cervejas. Fumei vários cigarros de nervoso. Depois da derrota, puto da vida, ao invés de voltar para casa, fiquei ali bebendo e bebendo. Afogando as mágoas. Fui para casa mais para lá do que para cá (agora entendo perfeitamente esta expressão). Na cama, bêbado que nem um gambá acendi meu último cigarro – da carteira e da vida. Antes que ele se apagasse, eu apaguei. O resto não preciso nem contar, né? Morri asfixiado pela fumaça do incêndio que o cigarro provocou. Deu uma vontade de ir lá e me acordar gritando: “Olha seu imbecil o que você fez! Acorda, tu vai morrer desgraça!” Mas depois percebemos que não há mais como voltar. Resta-nos lamentar e aceitar que para morrer basta estar vivo.

E é isso que é morrer. Besta assim, sem grandes complicações e sem explicações. Acaba aqui e começa lá.
Saber que iria morrer eu sempre soube. E desconfiava que o cigarro é quem iria acabar me matando. Mas não desta maneira...

Cézar Ray
17/02/2011

Cézar Ray sou eu.

A ORIGEM DO FOGO

Esse fogo que pega com tamanha velocidade que não dá tempo de tirar anotações, salvar lembranças, vidas... Que destrói o que foi construído com amor e ardor com a mesma impetuosidade. Esse fogo explode dentro de mim sem pavio que dê tempo para evitá-lo...

Esse fogo que vem de Marte (planeta vermelho, como fica minha pele quando possuída por ele). A origem é o zodíaco, que colocou justamente esse elemento em minha vida.

A única coisa que pode abrandar esse fogo é outro fogo, o fogo da paixão e do amor.
Esse fogo constrói, recupera, dá vida e lucidez, transforma-me em manso carneiro.

Mas ainda assim, continua devastador... Que este fogo nunca se extingue. Que este fogo nunca se apague. E quando tiver que se calar que tenha ardido até a última brasa...

Denise Dantas
27/02/2011

Denise Dantas é produtora cultural, poeta, como promoter está organizando sua primeira festa open bar aqui em Recife e é minha namorada.

BOITATÁ (A Origem do Fogo)

Conta uma lenda indígena que houve um período de noites sem fim nas matas, escuridão acompanhada por uma enorme enchente que obrigou os animais a se protegerem em um local mais elevado. A boiguaçu, uma cobra que vivia em uma gruta escura, desperta com a inundação e sai em busca de alimento, com a vantagem de ser o único bicho a enxergar no escuro. Passou então a comer os olhos dos animais que encontrava e, de tanto os comer, ficou luminosa como uma bola de fogo com a luz de todos esses olhos. Farta e ao mesmo tempo fraca com a caçada, ela morre e reaparece como um rastro luminoso serpenteando pela mata, protegendo contra aqueles que a incendeiam. Os índios a chamam de Boitatá (junção das palavras tupis boi e tatá) e contam que quem encontra com esse ser fantástico pode ficar cego, morrer ou até enlouquecer.

Galdino acordou cedo. Afinal, não era todo dia que tinha a oportunidade de conversar pessoalmente com o Presidente. Vindo do sul da Bahia, de uma terra indígena conhecida por Caramuru-Paraguaçu, o índio Pataxó fez sua primeira refeição do dia na pensão onde estava hospedado. Serviu-se de chipa, pamonhada e provou do tereré que lembrava os ervais nativos da sua terra. Era o dia do Índio (19 de abril de 1997), mas ninguém na casa lembrou disso.

Apressou-se em pegar o ônibus para o Planalto. Lá chegando, foi recebido por dois representantes da secretaria-geral da Presidência da República e, em seguida, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Participou de várias reuniões juntamente com outras 7 lideranças, algumas autoridades e trabalhadores do MST, onde apresentou reivindicações para recuperação da sua terra, em conflito fundiário com fazendeiros. Como chegou tarde das reuniões, não pode dormir na pensão onde se hospedara.

Procurou então um lugar onde poderia descansar do longo dia. Conseguiu um cobertor emprestado na mercearia da esquina, perto da pensão, e andou em direção à pracinha do bairro. Acomodou-se no banco da parada de ônibus (não muito diferente da esteira na qual estava acostumado a dormir) e olhou para as estrelas. Lembrou do seu povo Pataxó-hã-hã-hãe, do som do vento agitando a mata, dos animais que ganhavam vida na calada da noite, das tradições e lendas que mantinham acesa a história da tribo frente a uma cultura moderna que cada vez mais sufocava sua existência.

Foi à Brasília com o objetivo de levar esperança àqueles que viam, diariamente, suas terras sendo tomadas pelo homem branco, além de honrar os amigos que foram mortos nos confrontos com fazendeiros. Pensou em sua índia, nas conversas tranquilas com a companheira em volta da fogueira, sentia falta de sua comida e de seu sorriso iluminado como a lua (para a tribo, uma divindade). Esses pensamentos amenizaram o enfado do lento processo de retomada das terras (invadidas em 1928) que, desde 1980, permanecia sem solução.
Aos poucos foi tomado pelo sono que, em área urbana, demorara a chegar. Dormiu sonhando com o fim de toda aquela confusão, quando enfim poderia desfrutar os anos que lhe faltavam na sua terra natal, em paz. Mas não sabia ele o que estava por vir. Nem imaginava que não mais veria sua gente, sua mulher, nem as árvores e os bichos que tanto respeitava.

De repente, na madrugada do dia 20 de abril daquele ano, uns jovens bêbados se aproximaram do índio Pataxó com um litro de álcool e uma caixa de fósforos nas mãos. Galdino dormia. Dormia e sonhava. Mas despertou do sonho em meio a agonia de sentir seu corpo pegando fogo, num desespero que só foi observado pelos cinco jovens de classe média alta, que se divertiam com o espetáculo. “– Acorda mendigo!” “– Isso é pra você não sujar nossa cidade.” “– Vamos queimar o lixo das ruas.”

O fogo rapidamente se alastrou por todo o corpo de Galdino, que corria e se debatia, num flagelo interminável. A dor gerava gritos horríveis que iam, aos poucos, acordando os vizinhos que saíram de suas casas para ver o que estava acontecendo. Ninguém quis acreditar. Um homem estava caído no chão, enquanto as chamas se apossavam de seu corpo. A polícia fora chamada. Os jovens fugiram, mas um rapaz que passava pelo local, anotou a placa do carro e entregou a polícia. Os cinco foram detidos imediatamente. Na delegacia, bastou apenas uma ligação para que pudessem aguardar o julgamento em suas residências.

A notícia se espalhou rapidamente, gerando conflitos e protestos, além de despertar na sociedade uma comoção em âmbito nacional. Era difícil acreditar que cinco jovens, todos de famílias respeitadas, com a vida inteira pela frente, foram os responsáveis por tamanha atrocidade. Em sua defesa, afirmavam que haviam confundido Galdino com um mendigo e que suas intenções eram de apenas “fazer uma brincadeirinha”.

Com culpa até os dentes, em 2001 os quatro rapazes de maior idade foram condenados a 14 anos de prisão por homicídio doloso. Porém o poderio financeiro de seus pais foi uma ferramenta eficaz para burlar lei brasileira, tão frágil e corrompida. Desde que foram presos, contaram com regalias como banho quente, cortinas nas celas e exerciam funções administrativas em órgãos públicos. Em agosto de 2004 se encontravam sob liberdade condicional. O menor de idade envolvido no crime foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal e ficou preso apenas por três meses, apesar de ter sido condenado a um ano de reclusão.

A índia que Galdino tanto amava, todos os dias derramava suas lágrimas no rio da aldeia, esperando que a correnteza levasse consigo a dor da perda de seu companheiro Pataxó. Até que, misteriosamente, em um dia como outro qualquer, os cinco amigos que há muito não se viam, decidiram dar uma festinha na cobertura do prédio onde um deles morava. Convidaram alguns amigos, compraram bebidas, comida, cigarros e chamaram um DJ para reger o som. Curtiram a festa até de madrugada e, após todos terem saído, relembraram o dia em que queimaram Galdino vivo.

Diziam frases do tipo: “– Ele mereceu, quem manda dormir na rua como um mendigo.” “– A culpa não foi nossa, ele que estava na hora errada no lugar errado.” “– É bom que tenha aprendido a lição.” Conversavam e bebiam. Bebiam e fumavam. Fumavam e comiam. Continuaram nessa sequência até que o sono tomou um a um. Uns dormiram no sofá, outros na cadeira ou mesmo no chão, com almofadas.

Ás 9:30h da manhã, um dos vigias do prédio identificou fumaça saindo da cobertura. Ao se aproximar viu fogo em uma das janelas do apartamento e ligou para os bombeiros. Imediatamente, um fotógrafo que passava pelo local correu para registrar a cena. O corpo de bombeiros chegou em poucos minutos, porém o fogo já tinha se alastrado durante a manhã. Pouco sobrou do apartamento. Os corpos dos rapazes foram encontrados carbonizados e, a princípio, não havia qualquer explicação para a origem do fogo.

A notícia se espalhou como chama. Algumas pessoas diziam que enfim a justiça foi feita. Os convidados da festa foram interrogados, mas não imaginavam motivo algum para o apartamento inteiro pegar fogo, sem haver indícios de explosão e nem dar tempo dos cinco rapazes terem saído de lá ou telefonado. Os pais dos assassinos do índio Pataxó processaram a aldeia, pois, segundo eles, o incidente fora uma vingança causada por eles. Na verdade queriam apenas culpar alguém pelo sofrimento que estavam passando.

Para o povo indígena Pataxó-hã-hã-hãe, a natureza possui mistérios que muitas vezes são temidos por eles. A fonte de seus mitos e lendas vem geralmente do que eles não conseguem entender. Devido a esse respeito, buscam sempre um equilíbrio, retirando dela apenas o que lhes é necessário para sobreviver. Entendem que uma atitude errada pode gerar consequências desagradáveis e sentem que, como também fazem parte da natureza, ela protege e cuida deles.

O local onde Galdino foi assassinado foi rebatizado como Praça do Compromisso e lá foram colocadas duas esculturas temáticas.

VanSan
26/02/2011

VanSan é designer, poeta e está montando sua banda de blues, rock, MPB, jazz, hardcore, ou sei lá o que...

O INCÊNDIO NA COZINHA

- Olinda!, Olinda!, “A/corda”, abra “A porta” chegue até a cozinha e venha ver “As Virgens” só de “Ceroula”, preparando o “Bacalhau do Batata” e o “Galo da Madrugada” em quantidade suficiente para alimentar de alegria e contentamento todos os foliões dos estados no nordeste, assim como os turistas esfomeados de iguarias momescas e carnavalescas, vindos de outras regiões do país e até do exterior.
Era desta forma que se manifestava aquele enlouquecido e entusiasmado folião importado, vestido com roupas coloridas e de máquina fotográfica em punho, que parecia agir sob o efeito da pimenta e do azeite de dendê que havia ingerido dentro do pãozinho com manteiga de garrafa, de modo desbragado, desde o café da manhã do dia anterior, quando chegou para participar da festança, que começara fazia tempo, mas que não tinha dia e nem hora pra acabar. O endiabrado, hiperativado e aperitivado carnavalesco se mantinha sempre “a mil”, o que ele considerava ser a temperatura ambiente durante o evento. Porém, quando o calor interior aumentava e atingia a faixa dos mil e quinhentos graus, à sombra, ele se refrigerava mergulhando de cabeça no rio Capibaribe. Com esse ato de bravura fazia com que os peixes que estivessem próximos de onde ele se refrescava viessem à tona pra respirar. Subiam já cozidos ao ponto, diretos da fonte e prontos para serem ingeridos pelo incendiado folião turista, que gostou tanto da farra e do clima, que prometeu voltar todos os anos pra ajudar a fazer com que as chamas se conservassem sempre acesas.

Gelson Maciel Amaral
30/04/2011

Seu Gelson é escritor e está com cinco livros prontos a espera de um editor. É membro fixo dos EnContos em Nova Iguaçu.

A FOTÓGRAFA E O INCÊNDIO

Se ela soubesse que justamente naquela noite iria topar com um incêndio de tal magnitude, teria levado sua máquina profissional e não aquela lambe-lambe da 25 de março. Havia comprado uma Nikon D90 há seis meses e praticamente não usara. Gastou em sua aquisição toda a rescisão de seu emprego anterior. Por conta do vulto deste investimento tinha um terrível receio em sair com ela pelo Recife.

Fez curso para profissionalizar o que sempre fora um hobby, a fotografia. Lembrava ainda com carinho de sua primeira máquina que ganhou da tia em seu 14º aniversário. Uma Kodak Instamatic 101 mais conhecida como Xereta, com flashizinhos descartáveis. Com ela fez sua estréia no maravilhoso mundo de Niépce e Daguerre. Seu coelho Dentão, sua Monark Monareta e sua tartaruga Luga foram as primeiras cobaias.

As máquinas foram se sofisticando e os resultados de suas fotos também. Fez ensaios sensuais de amigas, registrou todos os momentos importantes da família e virou a fotógrafa oficial da galera. Fotografava seus artistas preferidos: Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio, Otto e toda a geração Mangue Beat. Chegou a ganhar um dinheirinho bacana fazendo fotos de casamentos, batizados, primeira comunhão, aniversários entre outras datas comemorativas. Mas o que lhe encantava era o foto-jornalismo, carreira da qual queria seguir e tirar seu sustento.

Porém a vida nem sempre nos leva pelos caminhos que sonhamos. Tantas vezes temos que abdicar de nossas aspirações e acabamos em destinos nunca antes planejados. Destinos que parecem desenhados para outros, como se estivéssemos vivendo a vida de alguém. Como se o que fora reservado para nós tivesse ido parar em mãos erradas. E quando nos damos conta, a vida – rápida como um piscar de olhos – passou e então percebemos que é tarde demais para reclamar nosso quinhão de felicidade.

Ela trabalhou como assistente de contabilidade, gerente de imobiliária e nos últimos meses amargava seus dias de frustrações como caixa de banco. Nunca reclamava. Esperava o momento em que pudesse largar tudo e viver do que mais amava. Como esse momento não chegara se resignava a apenas esperar e esperar. Usava suas lentes em momentos fortuitos e oferecia seus cliques a jornais que nunca os queriam.

Mas nem sempre se está no lugar certo na hora certa como naquele momento do incêndio. Passava de carro por Piedade quando sua amiga, que dirigia, viu de longe as chamas saírem da janela de um apartamento como um vulcão em erupção. Parou imediatamente e sugeriu a sua colega de banco que pegasse a máquina e registrasse, visto que não havia nenhum outro fotógrafo ali e até os bombeiros não estavam chamando atenção. “Vai menina é a sua chance de ouro!”

Foi quando percebeu a burrada que havia cometido deixando sua Nikon em casa. Puxou a Ching-Ling Piratex da bolsa e registrou o incêndio como pode. Era um incêndio e tanto. As vidraças do apartamento estouravam com o calor do fogo que dançava com suas garras para fora do edifício, como se puxasse mais oxigênio para alimentar-se.

Uma leve chuva caiu, molhando sua lente com pequenas gotículas o que a obrigou, depois de alguns cliques, parar de fotografar. Além da frustração por não estar com a máquina certa, aquela chuva ainda atrapalhou todo seu esforço para pegar um melhor ângulo. Foi para casa avexada e com sentimento de “dor de corno”.


Na tarde do dia seguinte um amigo do Jornal do Commércio comentou sobre o incêndio, disse que houve vítima e que estavam pagando razoável por um bom registro. Ela não quis dizer que estava lá e muito menos que fotografara o sinistro, já que naquela mesma manhã quando mostrava as fotos que tirou ao seu chefe, ele fez piadinhas e ainda disse que ninguém conseguiria entender que aquilo era um incêndio. “Tá mais para um cara fumando unzinho na janela”.

Chegou a pensar em vender a máquina e desistir do sonho. Chegou a pensar que sua vida estava predestinada ao fracasso. Que morreria contando dinheiro e pagando contas alheias. Chegou a chorar aquela noite com uma ponta de arrependimento por lamentar a foto e não a vida perdida no incêndio. Chegou a acreditar que tudo era uma grande injustiça. E dormiu entre lágrimas.

Uma semana se passou quando de repente viu sua foto ilustrando a capa de uma grande revista. Como assim? Aquela foto cheia de gotas na lente? Como fora parar ali? Mais tarde veio saber que sua amiga, vendo sua decepção e tristeza resolveu enviar por conta própria as fotos para várias editoras. Uma revista que fazia uma matéria sobre incêndios domésticos gostou e pagou um bom dinheiro e ainda a publicou na capa. Ela renasceu! Não sabia onde guardar tamanha felicidade! Sua amiga fizera uma surpresa incendiária...

Mas, mais surpreendente ainda foi ela ser eleita a foto do ano pela APCA e receber elogios como “O horror e a violência do impiedoso fogo retratado por uma lente sensível que parece chorar”... ou ainda “As gotas na lente amenizaram e deram novos tons ao fogo que consumia e ao mesmo tempo era consumido”.

A partir dali, nunca mais deixou sua Nikon D90 em casa. Mas preferia mesmo eram os cliques paridos daquela maquininha genérica, sem grife, sem marca ou pedigree. Pois as duas se pareciam. Surpreendiam quando ninguém mais dava nada por elas...

João Cigano
13/02/2011

João Cigano sou eu disfarçado.

A ÚLTIMA REFEIÇÃO

Escutou os gritos agudos ouviu também e sentiu as vibrações dos golpes no assoalho de madeira. Gregório precipitava-se pelo corredor e quase se choca com Mara que saía afobada do gabinete. Disparou entre os dois, forçou a passagem por uma brecha na porta da cozinha, no mesmo pique escalou o muro e mergulhou na lixeira. Ali estaria seguro.

Tateou alguma coisa para matar a fome. O ventre aberto do pássaro oferecia-lhe o manjar das vísceras expostas e ainda mornas, com que se regalou.

Por instinto, contorceu-se, virando a cabeça para a porta. Alguma razão que não conseguia desvendar levava-o a reviver a última refeição. Ouviu Gregório gritar alguma coisa e seu coração se contraiu. Mas Inocêncio replicou com serenidade. A voz suave devolveu-o ao relativo conforto do devaneio com o último jantar.

Pendia, de cabeça para baixo, seguro, atado pelos membros inferiores. A vertigem da rápida descida, misturada à dor aguda da queimadura. Já não era uma sensação nova. Não o apavorava mais tanto. Mesmo assim, sentiu-se miserável e infeliz como nunca. Se é que se poderia chamar de sentimento ao desfalecer que lhe percorria o corpo e ameaçava engolfar-lhe o cérebro.

O contato do instrumento frio trouxe-o de volta. Era tudo confuso. Agora explorava o baú que um dia encontrara aberto no gabinete. O brilho da lâmpada no teto refletia-se nos artefatos de metal e isso o fascinava. Uma sombra o alertou de que não estava mais só. Sentiu o toque da mão, ouviu o grito agudo e retesou-se pronto para fugir. Mas a gargalhada grave e cristalina, já tão familiar, o acalmou. Enquanto os passos, o choro e a risada se afastavam, aproveitou para escapar da armadilha.

Depois da refeição, gostava de se esgueirar pelos móveis. Lembrou-se daquele frasco em cima do aparador em que numa madrugada esbarrara enquanto fazia seu passeio exploratório. E do susto quando mais rápido do que imaginava a lâmpada se acendeu, flagrando-o desprotegido. Estudou cuidadosamente o ambiente em volta e mergulhou na gaveta das fotos.
Então novamente o calor do fogo. Havia compreendido que de nada adiantava, mas talvez por puro reflexo estorcia-se, guinchava. Grudava-lhe na pele o líquido morno e gosmento. Torturava-o a ardência nos pontos onde perdera os pelos.

O trecho roído na borda da foto que emoldurava o rosto pálido da moça não lhe afetava a beleza. Degustava-a despreocupada e lentamente. Cabelos negros presos em coque, ornados pela grinalda de flores miúdas, os olhos castanhos, grandes, profundos e tristes, foi a última imagem que seu cérebro reteve antes de tudo escurecer.

Já não se movia mais, mas ainda estava ali. O suficiente para sofrer, em algum lugar da já quase inexistente consciência, a dor mais lancinante. Era lenta e se prolongava, parecia não ter fim. Depois de algum tempo, chegava, aos ouvidos, apenas, o som de batidas, num bombo, gigantesco, e distante, o líquido morno, pingando, dentro do recipiente, sob sua cabeça.

Acabara-se a urgência. E a sensação de perigo. Já se esquecera do mundo quando sentiu outra vez o fogo lambendo-lhe o corpo. Não havia mais dor. Terminara a agonia. As imagens iam e vinham, em flashes, e foram se dissipando, virando sombra de sombra, até ficarem opacas e cinzas. Feito o pelo chamuscado.

Texto publicado no caderno especial em homenagem a Machado de Assis, na coletânea Contos de Oficina 2008, organizada por Raimundo Carrero, lançada em 08 de novembro de 2008 na Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas – ano IV.

Gerusa Leal

Gerusa Leal é recifense, moradora de Olinda. É autora de contos e poemas publicados em várias coletâneas, blogs e jornais. Várias vezes premiada, inclusive pela Academia Pernambucana de Letras com o livro Versilêncios.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Quinta Edição

Bem-vindos ao Zarayland quinta edição! Obrigado pelos posts, pelos emails, pelos scraps e mensagens deixados por este mundo virtual tão grande.

Vamos ao cardápio:

Começo convidando todos que puderem ir ao Banquete na quinta-feira que vem (14/04) participar do EnContos versão PE. Lá vamos determinar o tema da próxima edição e no Zarayland que vem, publicarei todos os contos escritos com o tema "Incêndio". Então se você ainda quer escrever, envie seu conto, poema, crônica que ainda dá tempo. Vamulá!

Depois falo do curta de Fábio Branco que tive a oportunidade de assistir, quando visitei o Rio, na casa de Moduan Matus e de Sil e dias depois recebi o DVD das mãos do diretor.

Começo minha série de publicações de fotos que ando clicando pelo mundo afora.

MUITOS ANOS DE VIDA (03 de março de 2006) – Foi um conto que escrevi sobre uma história que o poeta Alcides Eloy contou para a gente. Disse ele que um dia de manhã voltando, para casa, da balada entrou em um beco e viu um velhinho vindo do lado oposto. Ele se distraiu e quando olhou o velho havia sumido, só restando uns pombos comendo umas migalhas. Acabei escrevendo um conto triste.

Fecho contando um pouco da minha história com o DANIEL’S BAR (A Casa da Pantera de minha geração). Com saudade de uma época ingênua onde éramos felizes!

É isso,

Um beijo um queijo e um beliscão de caranguejo!

Cézar Ray

1º EnContos Versão PE (14/04/11)

Há uns bons 13 anos atrás eu, Ricardo Siciliano, Duda Amaral, Marton Olympio e Odervan Santiago resolvemos nos reunir para desenvolvermos contos individuais, mas que orbitassem sobre um mesmo tema. Fizemos apenas uma edição desta idéia e, dos cinco participantes, apenas três escreveram: eu, Sici e Duda. Marton escreveu recentemente o seu conto, depois que relembrei nossa saga literária.

Anos se passaram, estávamos em 2005 e numa conversa com Lafayette Suzano, ele me relatou que se reunia com Mauro Marujo e Henrique Souza para lerem contos (de autores variados) toda terça-feira e me convidou para uma dessas leituras. Era genial, mas faltava algo que fui buscar lá no longínquo ano de 1998. Escrever nossos próprios contos e lê-los, todos com um mesmo tema. Isso tornava a leitura mais interessante visto que cada um daquele grupo (que foi crescendo com a entrada de Marcelo Peregrino, Alcides Eloy, Ivone Landim, Heitor Neguinho, Marlos Degani entre outros) tinha uma leitura completamente singular do tema.

A tocha foi passada e continua acessa em Nova Iguaçu, com Moduan Matus, Sil, Seu Gelson, Sertório, Lafayette e Mauro Marujo (que inclusive lançou seu primeiro livro “25 Contos” com material produzido nessas reuniões).

Hoje morando em Pernambuco, não posso comparecer a esses EnCONTOS (nome que batizou os nossos encontros no quintal do Moduca), cheguei a enviar alguns contos para que fossem lidos lá. Mas a vontade de continuar com este laboratório de idéias junto a pessoas criativas que conheci aqui em Recife, me fez sugerir a algumas delas (Denise Dantas, Thiago Guerra, Vanessa Santana, Kaio Friederich, Ricardinho entre outros) que iniciássemos esses EnCONTOS versão PE.

Numa conversa com Sérgio Buarque, relatei que estava com vontade de criar a versão do EnContos aqui em Recife, no que ele fez o convite para que acontecesse lá no Banquete. Daí para um email do Bruno Piffardini (Coordenador das atividades literárias do bar) e para marcarmos a primeira edição, foi um pulo.

Por isso convido a todos meus amigos para comparecerem no Banquete na próxima quinta dia 14 de abril as 19h para trocarmos umas idéias, propormos temas para as próximas edições e acima de tudo ler contos. Até lá!

Bar e restaurante Banquete
Rua do Lima, 195 (ao lado da Igreja e em frente à TV Jornal)
Telefone: (81) 3423.9427

A Casa da Pantera - um filme de Fábio Branco


Orgulhoso assisti ao documentário de Fábio Branco, A Casa da Pantera. Orgulhoso por se tratar de um filme inspirado, bem acabado, relevante, sobre um bar (uma época) de Nova Iguaçu, dirigido por um iguaçuano, contemplado com o Fundo Municipal de Cultura Antônio Fraga e acima de tudo, um filme prazeroso.
O curta narra a efervescência de uma época (final dos 70 e início dos 80) onde alguns “pensadores” de Nova Iguaçu se reuniam para confabular, conspirar, beber, namorar, tomar sopas num endereço: o bar A Casa da Pantera, de Fávaro, Laisinho e Claúdio. O bar funcionou como um QG de toda uma geração.
Contado com emoção por ícones da cultura iguaçuana, como Moduan Matus, Eduardo Cavalcanti, Silvia Regina, Jorge Cardozo, Roberto Lara, Dejair Esteves, J. Marujo, Lafayette Suzano, Laís Sá do Amaral, Nelson Freitas, Antônio Filipack entre outros, o filme desfila histórias de uma época ainda difícil para o Brasil (abertura com ditadura velada), difícil financeiramente para aquela geração, esquecida pelo resto do país (Eduardo resume bem em numa frase do filme: Ninguém ligava para a Baixada) mas quando contada por eles, parece que tiravam de letra.
A direção e edição espertíssimas do filme tornam todas as histórias vividas por diferentes personagens, uma única e grande história. E isso torna o filme vibrante e contundente. Como bem disse para mim, meu amigo e artista plástico Flipack, o filme deixa a gente com gostinho de “Quero Mais!”


Brincando com as Lentes de Minha Rolleiflex - Un


Esta foto eu fiz no Rio São Francisco (Velho Chico), quase chegando em sua foz. Um dos lugares mais lindos que já fui.
Este Caranguejo apareceu lá na empresa do nada e as pessoas queriam pegá-lo e ali ele ficou encurralado, vejam como ele tenta se esconder com suas patolas. Dei uma estourada no contraste.
Bebendo com meu amigo Giva em um - como dizem aqui - pega-bêbo no bairro da Torre vi no banhiero esta parede descascada com camadas de tintas passadas, que me pareceu um Novo Continente.


Numa noite de chuva, fotografei a Av.Norte da sacada de meu apartamento já completamente encharcada.







Muitos Anos de Vida

Você acorda, torcendo para estar morto. Mas, outro dia lhe é dado. Presente de grego. Podia ter morrido dormindo, faria pouca diferença. Você levanta e arruma sua cama no quarto de seu neto. Você não deveria estar ali. Seu neto não queria que você estivesse ali. Mas você está. Sua filha insistiu em alugar a casa que você sempre viveu com sua falecida esposa. É melhor o senhor ficar lá em casa, vai ter companhia e o dinheiro nos ajuda com as despesas. Agora você é um intruso. Ela se arrependeu da idéia. Mas se acostumou com o dinheiro. Você não tem escolha, a outra saída é um asilo público. Você chora, no banheiro, todo dia de manhã antes dos remédios. São vários. A aposentadoria de toda sua vida de trabalho só dá para pagar os malditos remédios. Você depende de sua filha e de seu genro que te olha atravessado ao cruzar com você de manhã de chinelos no corredor. Um bom dia que mais parece um morre-logo-velho. Sua filha arrependida de, às vezes, desejar a sua morte te faz algum esporádico carinho. Mas você sabe que é um estorvo.

Para que não lembrem que você existe, prefere ir para rua logo cedo depois do café. A rua é grande, mas não te cabe. Mas em casa você vira um piano que ninguém mais quer tocar. Sem música é só um trambolho ocupando espaço. Pesado demais para se livrarem. Deixa que o cupim come. Na rua procura amigos. Eles morreram há um tempão. O amor de toda sua vida também. Eram felizes em sua casa, velhos, mas se faziam companhia. Entendiam-se. Um sabia o que o outro estava passando. Mas agora, só, pede a Deus pela morte. Ela não vem. Você anda pelas ruas sem lugar para ir. Ninguém te cumprimenta, ninguém te vê passando. Você senta no banco de uma praça e joga farelos para os pombos. Eles são mais felizes que você. Você vê as horas passarem como séculos. Dos 15 aos 30 pareceram segundos. Agora velho, os minutos são anos. A vida mudou e você é o mesmo, desejando as mesmas coisas que já não existem mais. O mundo nada mais oferece para você. O rádio não toca aquelas belas canções. Palavrões insultam seus ouvidos. Os bondes não existem mais e os ônibus não param quando você faz sinal. Você é indesejado. Encostar para um velho, que nem paga passagem, entrar. Ele pega o próximo. Não entendem seu cansaço. Seus ossos doem. O que adianta estar vivo se você se sente pior do que um cadáver.

A fome chega junto com a dor na coluna. Almoçar em casa não é a melhor opção. Comer na rua muito menos. Esconde a fome no meio de tantas outras dores. Você trabalhou a vida inteira, seu maior medo era virar um esmoler. Veja você: quase igual a um mendigo. Mendigo que você sempre teve pavor de se transformar. Sem casa e sem dinheiro. Com fome e exausto. Vagando pelas ruas da cidade. Se olha num espelho, não se reconhece. Parece um pobre faminto clicado pelo Sebastião Salgado. Você se arrepende de não ter chutado o balde toda vez que teve vontade. Você sabe que sua hora de partir dessa para outra vida, passou. Você está fazendo hora extra no mundo. A morte que não chega mesmo você desejando. Suicídio? Não. Já encarou tantas coisas difíceis... não vai se matar agora, aos 45 do segundo tempo. Espera o Juiz Celestial apitar o final do jogo. Mas ele quer prorrogação. Você olha para céu, quer encontrar o mundo que perdeu. A vida que ficou para trás.

 
À noite você volta para casa, quer dormir. Seu neto joga vídeo-game no quarto com os amigos. Sua filha vê novela na sala. Você lembra de sua querida companheira e uma lágrima brota nos entalhes de sua cara. O sono te vence ainda na sala e você vira um velho babão. Sente vergonha, mas não tem para onde ir. Te esquecem na poltrona e quando você acorda, de madrugada, suas costas estão em frangalhos. No escuro você arruma sua cama enquanto reza para não acordar. Mas você acorda e tudo começa de novo. Arruma a cama, remédios e lágrimas. Toma café e rua.

Em um beco estreito e comprido vê alguns pombos - talvez sejam rolinhas - não distingue mais os dois (catarata). Você vê um bêbado vindo da outra extremidade. Só você e ele na estreita travessa. Você pára. Vai alimentar as aves. Ele procura algo no bolso. Ele passa por você e não te vê. Olha os pássaros. Nem o mendigo bêbado te nota. Agora você sabe: está invisível. Invisível não, você morreu há muito tempo... há muito tempo atrás.