domingo, 12 de fevereiro de 2012

Edição 16 na área:

De volta com Zarayland DZ-6! Tive em duas prévias nessas últimas semanas. Guaiamum Treloso, com ótimo show de Eddie e um show bacanudo contudo confuso de Manu Chao, mas o astral da festa estava classe! Ontem fui na Enquanto isso na Sala de Justiça, prévia do bloco onde todos se fantasiam (no início eram só super-heróis hoje qualquer fantasia resolve) com shows de Original Olinda Style, Paralamas e fechando Otto. Show! Segue aê uma edição toda voltada a saudade:

1) O Projeto Catatau foi uma despedida de um espaço maravilhoso que ficava a esquerda do Colégio Afrânio Peixoto com apresentações e decoração f%da!

2) Na coluna Meu Povo, lembro com saudade de uma mulher supimpa: Angela Moura, a Dona Angela ou a Angela da Shine. Saudades!

3) Quem não se lembra da Zoé90? Eu me lembro bem e conto um cadinho como era aquela repúblika.

4) A volta da coluna Brincando com as Lentes da Minha Rolleiflex e mais 4 fotinhas

5) O Quiosque do Alexandre na praia de Boa Viagem, um pedacinho delicioso de Recife que se foi.

6) DMV, Marlos Degani vai a 1982 trazer para vocês o discaço Magia Tropical d'A Cor do Som.

E é isso macacada!

Um beijo um queijo e um beliscão de caranguejo
Cézar Ray

Projeto Catatau

Assim que o fanzine Desmaio Públiko ganhou corpo, conheci vários artistas iguaçuanos e percebi uma carência de espaço para que eles pudessem mostrar seus trabalhos autorais. Músicos sempre tocavam em bares o sucesso dos outros, vários encaixavam em seus repertórios, uma ou outra composição própria. Os poetas eram salvos uma vez por mês pelos Encontros com a Poesia, promovidos pelo poeta Moduan Matus e apresentado pelo poeta J.A Lima.

Criamos o Projeto Desmaio Públiko que consistia numa noite dedicada ao “autoral”. Poesia, Música, Teatro, Dança e Artes Plásticas definia o que se tratava a “festa”. Este tópico Projeto Desmaio Públiko será um dia esmiuçado aqui nas páginas negras da Zarayland. Por hora basta saber que esses eventos lotavam, tanto de público como de artistas que queriam cantar, declamar, apresentar suas esquetes coisa e tal. O que nos obrigava a montar uma programação apertadíssima. Apresentávamos o músico avisando: “Canta só três músicas!” ou ainda, aos poetas: “Declame somente três poemas” e assim administrávamos a fuzarca.

Por mais bacana que fosse o Projeto Desmaio Públiko, acabei me cansando e deixando de realizá-lo, mesmo sendo constantemente solicitado para que voltasse a editá-lo. Havia desistido do formato. Era trabalhoso demais e dava pouco resultado. Achava eu (o bambambam do sabetudismo).

Quando Roberto Lara (que estava há alguns meses com um estúdio no Colégio Afrânio Peixoto, teve que se mudar de lá, posto que exatamente ali onde era o estúdio, defronte de uma área verde linda cercada por construções antigas viraria um condomínio de espigões) me sugeriu que fizéssemos uma festa de despedida, topei. Roberto também não gostava do formato corrido do Projeto Desmaio Públiko. Então pensamos em algo diferente. Nasceu o Catatau. Nome sugerido pelo Laranja que de pronto aceitamos.

Poucas atrações. Mas com dignidade. Um espaço ao menos de uma hora para cada músico. Um peça de teatro de até uma hora também. E um espaço menor, porém suficiente para a poesia (meia-hora). Nesta época, Jorge Cardozo e Marlos Degani criaram um projeto chamado POESIA DE MESA, que se encaixou perfeitamente no Catatau. Eu queria uma produção organizada e busquei patrocinadores. Mesmo sem receber conseguimos montar uma noite mágica que ficou tatuada na lembrança de todos os presentes.

Convidei o iluminador Marcelo Sampa e com Marcelo Peregrino, Marlos Degani, Domi Júnior, Roberto Lara e Ilton Manhães (que gentilmente emprestou o som) transformamos o local num espaço belíssimo, com luzes indiretas, iluminando só as árvores e os arbustos. No fundo do palco (um nível elevado, porém natural e gramado) colocamos faixas de tnt em algumas cores que tremulavam ao vento. Em um espaço contíguo uma exposição com quadros do Projeto Manhãs de Outono. Eu e Mario Coutinho fizemos lanternas (com velas) para cada mesa e o lugar ganhou uma aura mágica.

Lembro-me perfeitamente da emoção que senti ao chegar no Afrânio Peixoto naquela noite. A entrada do antigo colégio já é linda, com suas palmeiras imperiais, mas com a iluminação do Sampa ficou soberana. Ele conseguiu guiar as pessoas até o local do evento somente com a iluminação. E lá, as mesas arrumadinhas, as lanternas acesas, o som rolando (DJ Lúcio BNH) era o prenúncio de uma noite soberba.

O bar ficou a cargo do André Eira, que feliz igual pinto no lixo, depois de recuperar o investimento, começou a distribuir as cervejas gratuitamente. E o pior, depois do evento detonamos toda a grana. Mas fez parte da festa!!!

Disponibilizamos um celular para que fossem pedidas as pizzas. Esquecemos completamente deste quesito, comida. E com o povo feliz e deslumbrado e com muito muito muito frio, começamos os shows:

Marcelo Peregrino e Heraldo HB tocaram composições de ambos, num show conciso porém eficiente, onde Peregrino me confessou mais tarde: “Nunca fiquei tão nervoso como fiquei naquele show”.

O Projeto Poema de Mesa era o seguinte, no palco uma mesa e quatro poetas (Marlos Degani, Jorge Cardozo, Moduan Matus e Luiz Cantalice) conversando sobre vários assuntos e assim, iam lembrando-se de poemas e os declamando, enquanto sorviam tranquilamente suas cervejas.

Logo depois veio o show da singer Haoa Afrânio (a anfitriã) acompanhada do músico Claúdio Camilo iluminando ainda mais aquela noite com seu timbre de voz único, desfilando belas canções de Camilo e de outros compositores.

A peça “A Mais Forte” dirigida por Gil Machado e com Josy Lozada interpretando as duas personagens da história, uma ao vivo, vestida de noiva, com maquiagem gótica (que deu calafrios em alguns) e a outra na tela de uma TV (gravada anteriormente) arrancaram aplausos efusivos.

Fechando a noite o show de Roberto Lara que fora prejudicado pelo intenso frio que fazia naquela noite, obrigando parte do público a ir embora para se refugiar em local mais quente. Foi um showzaço que ficou reservado para os poucos que agüentaram a maratona até o fim.

Uma noite encantada, que jamais se repetirá, foi um adeus merecido aquele espaço tão querido do Colégio Afrânio Peixoto!

Meu Povo: Angela Moura

Dia 02 de fevereiro fez dez anos de uma das melhores festas que já fui. Os cinqüenta anos de Angela Moura na Ilha Grande. Ela planejou tudo com antecedência e proporcionou aos convidados e aos penetras uma festa que entrou para as lendas da Ilha. A festa aconteceu na Praia da Crena, perto da Vila do Abraão, porém de difícil acesso a noite. E mesmo assim lotou. Do barco que fui consegui ver as luzes de várias lanternas no meio da mata das pessoas indo pela trilha. Chegando lá a praia estava toda decorada com lanternas que enfeitavam todo o ambiente. Tendas com comidas e bebidas. Palco para a banda de Zé Pereira, esteiras espalhadas na areia, fogueira e um clima que nem em filmes de luau havaiano eu vi. Inesquecível!

Com ela era assim, ou calça de veludo ou bunda de fora.

Conheci Angela por conta de meu trabalho. Havia desfeito uma sociedade e precisava urgente de clientes para poder pagar as minhas contas. Fui apresentado a ela e ao seu sócio Bartolomeu - pelo Marinaldo Imperiano - que negociaram meu fee mensal. Para bater o martelo eu proclamei: “Ok, fecho em X mas quero uma cervejada toda sexta!” (era abusado) e a Angela disse: “Feito!”. Na sexta seguinte estava em casa trabalhando em seus produtos quando o telefone tocou. Era ela: “Cadê você? Tenho um acordo contigo de pagar sua cervejada, venha para cá. Estou no Abracadabra!” E eu pensando que ela iria me cobrar o serviço.

Essas cervejadas nem sempre se detinham as sextas, muitas vezes, mas muitas vezes mesmo eram as segundas. Angela chegava como dizia: “Virada pro cão!”. Ela passava o fim de semana com a família em sua granja e quando chegava segunda-feira, queria beber. E nós todos de ressaca, estragados pelo fim de semana. E ela não convidava. Convocava. Eu, Marinaldo Imperiano, Eveline Tomasco e Zézinho (José Alberto Eiterer) para abrir a semana com muito chope.

Angela (pernambucana) morava no Rio há anos. Em Santa Teresa. Mas nunca quis perder o sotaque, aliás, fazia questão de não perdê-lo. Dizia que era sua herança cultural mais genuína. Arretada! Quando entrou no SERPRO e todo mundo ria de seu sotaque, ela resistiu e forçou ainda mais o pernambuquês, fato que a fez ganhar o apelido irônico de “Gaúcha”.

Quando gostava de alguém tudo era perdoado. Porém quando não gostava, qualquer besteirinha virava uma tempestade. Mas perdoava as pessoas com benevolência cristã e adotava outras com um amor maternal.

Aliás a empresa nesta época era uma ginecocracia, conduzida por uma mulher forte de atitudes as vezes duras, porém amiga e confiável. Festeira, Angela não deixava passar uma data em branco. A sua preferida era o São João onde contratava bandas de forró e mandava fazer todos os pratos típicos daqui de Pernambuco. Teve uma vez em que a empresa estava atravessando uma crise financeira e todos estavam tristes, pois não teria a festa junina. E Angela se abateu? Disse: “Vocês querem a festa, pois eu vou dar a cerveja e cada um vai trazer um prato de comida!”. Foi uma das festas mais fartas que já aconteceram.

Angela havia se apaixonado pela Ilha Grande e comprado uma casa na Vila do Abraão. Sempre estava por lá. Quase como uma nativa. Sua festa foi organizada pelos “cachaças” locais que a adoravam. Lembro que os donos de algumas pousadas chegaram a anunciar o aniversário dela como um “Luau Cortesia de Boas Vindas” aos seus hóspedes. Aí, alguns turistas arrogantes - que estavam lá de penetra, mas Angela nem ligava - começaram a cobrar um serviço melhor, coisa e tal. Angela ficou sabendo e mandou suspender a bebida para eles e mais, quando chegaram os artesões de rua (que todos chamavam de “Micróbios”) e lhe deram um brinquinho como lembrança ela mandou servi-los como reis. Assim era Angela.

Uma doença misteriosa atacou seu cérebro em meados de 2005 levando-a no primeiro dia de 2006. Minha grande amiga, minha fada-madrinha se foi, deixando um vazio imenso para todos nós. Foi “very bueno” ter compartilhado de tantos momentos bons ao seu lado. Very bueno!!!

Zoé 90

O Agito Cultural merecerá um post só dele aqui na Zarayland, mas não será desta vez. Agora vou contar sobre uma casa, onde parte desta trupe de atores foi morar em 1997/98. Na Rua Zoé, nº 90 em Juscelino – Mesquita - RJ. A famosa Zoé90.

Estavam procurando casa, Robson Luy, Kátia Vidal e Lu Ramos todos na mesma época. Cada um queria um espaço pequeno, um apezinho, um cantinho próprio. Mas o destino colocou um casarão em suas mãos. Quatro quartos, cozinha gigante, quintal com duas mangueiras frondosas, terraço coberto. Uma verdadeira mansão. Ao invés de cada um alugar seu kitnet, uniram-se e alugaram o chateau.

Batizada de Zoé90, a casa virou um misto de centro cultural, sede do PT, point para festas, cantinho dos doidões e mais tantas outras funcionabilidades que não me atrevo a contar. Teve lançamento da revista Sagarana, exposição, debates, escola de capoeira, festas e mais festas e a Copa do Mundo de 98.

Não me esqueço daqueles dias. A televisão no quintal, o bolão para quem faria o primeiro gol, o Robson Luy alheio a Copa como nunca vi alguém na minha vida. E as festas depois de cada vitória. Como era bom! Até mesmo quando o Brasil perdeu para a França na final, olhamos tristes para cara um do outro. Como se lamentássemos não a derrota, mas sim a festa que não rolaria. “Ah que se dane! Som na caixa Dj!!!”

Lembro-me que uma vez cheguei lá e eles (os moradores e os frequentadores) estavam lendo uma peça de teatro, numa rodinha, assim despretensiosa. Cada um escolhia um personagem e rolava assim uma leitura dramatizada. Uma peça por semana até descobrirem o que iriam encenar. Achei tão ducaraio a idéia que imitei numa época de entre-safra do Desmaio Públiko, sugeri aos amigos poetas que uma vez por semana nos reuníssemos num bar só para ler os poetas consagrados. Debruçássemos-nos sobre um autor por vez. E virou um sucesso as nossas rodas de leitura.

Não durou muito. Todos nós sentimos muito quando tiveram que sair dali, se não me engano por problemas estruturais (umidade e rachaduras condenaram a maloca). Depois de uma reforma, a casa continua lá, no mesmo endereço, rua Zoé nº 90, mas há muitos anos que deixou de ser a Zoé90.

Brincando com as lentes da minha Rolleiflex - Trois


1) Estava no cartório bem em frente a Vila Iboty em Nova Iguaçu - RJ quando vi esta impressionante quantidade de fios. Achei feio, mas ao mesmo tempo curioso. Cliquei.
2) Eu fico absmado com o céu de Pernambuco. É muito diferente, não sei explicar. Esta foto eu fiz saindo do Instituto Brennand, na Várze - Recife - PE
3) Essas duas fotos seguintes são meramente fotos que gostei pela coisa geométrica. Esta eu fiz do carro, passando pela enseada de Botafogo no Rio. Reparem na quantidade de faixas.
4) Foto acidental mas que gostei justamente por ter uma coisa geométrica bacana. E meu pé ali quebrando tudo. Achei legal!

O Quiosque do Alexandre

Quando cheguei a Recife em 2008 fui dar uma volta com Denise Dantas na orla de Boa Viagem num sábado de manhã. Chegamos cedinho, umas 8h. Em minha caminhada fui apreciando a paisagem e detestando a música que vinha dos quiosques. Na altura do Segundo Jardim, em frente ao edifício Saint-Exupéry um quiosque tocava “Sweet Dreams” da banda Eurythmics e eu disse a Denise: “Hora de parar para uma cerva”.

A partir dali sempre ia para a praia naquela altura e depois do banho de mar ficava pelo quiosque lambendo umas e ouvindo coletâneasinhas que eu mesmo fazia e alimentava a casa. Elias, um momo simpaticíssimo me atendia com sorrisos e cervejas geladas e os pasteizinhos picantes. Nesta época o quiosque estava mudando de dono, do Argentino para o Professor Robson. Mas a grande mudança mesmo veio quando Alexandre o comprou alguns poucos meses depois.

Grande mudança porque Alexandre é um cara de uma simpatia e elegância sem precedentes. Ele não ficava atrás do balcão, isso ficava por conta do faquir Isaias. Alexandre acompanhava a gente no prazer de um dia ensolarado a beira mar. Mesmo quando estava do lado de dentro do balcão, nunca deixou um cliente sem atenção cuidadosa. As vezes fazia pratos especiais para seus “clientes Vips”, uma lagosta, um bacalhau que trazia de casa e servia em generosas porções.

Quando a prefeitura de Recife resolveu modernizar os quiosques da orla, alguns eram construídos do zero, mantendo o antigo em pleno funcionamento ao lado, mas do Alexandre foi ao chão imediatamente e demorou mais de seis meses para ser reerguido. E depois de pronto Alexandre ainda descobriu alguns rolos e complexidades que o fizeram desistir do ponto.

Foi no quiosque do Alexandre que conheci Marcos Borges (acho que seu freguês predileto) e assim toda a família de Novo Horizonte. Foi de lá que saímos com Seu Toninho para comer “tuias” de lagostas e camarões free no Iate Clube de Recife. Foi para lá que fui depois de passar mal na muvuca do Galo da Madrugada, resfriar-me com a brisa marinha, a cerveja gelada e o silêncio da praia de Boa Viagem deserta em pleno carnaval.

Era para lá que eu levava todos meus amigos que vinham me visitar. Ainda levo pro mesmo quiosque, mas não fico mais que três cervejas. O encanto acabou e hoje, sem o Alexandre, é só mais um quiosque de praia. Nada mais!

DMV – Magia Tropical – A Cor do Som

Sou do século passado, pessoal. Antigamente a gente dizia o meu grupo ou meu conjunto musical preferido. Não era a minha banda preferida. Banda era aquele monte de velhinhos tocando marchinhas, vestidos de branco em inauguração de loja.

Pois bem, feito os jovens de hoje em dia, também tive a minha banda preferida de adolescência. Aquela da qual você compra todos os discos, sabe da história dos integrantes, tem de cor as músicas, etc e tal. A minha banda foi A Cor do Som.

O DMV desta quinzena versa sobre Magia Tropical LP/Elektra/WEA – 1982 – A Cor do Som, produzido por Guti e Sérgio de Carvalho. Magia Tropical é o sexto disco da Cor, mas foi o primeiro trabalho que ouvi do grupo: amor à primeira nota. Em 82 estava no auge dos meus 13 para 14 anos e ávido por novidades sonoras. Conheci o disco numa ida à casa dos primos ricos da Tijuca.

A Cor do Som veio da mistura de Rio e Bahia (Mu, Dadi e Gustavo do Rio e Armadinho e Ary da Bahia, que ingressou no grupo a partir do segundo disco). Toda a Cor, exceto Armandinho, tocava com o Moraes Moreira (Dadi foi dos Novos Baianos, antes) e depois resolveram seguir carreira como grupo. Acho que foi até o Caetano que batizou se bem me lembro. Nos primeiros discos a Cor fez uma ponte psicodélica entre a Bahia de São Salvador e o Rio de Janeiro de São Sebastião: frevos e ritmos nordestinos eletrificados, grandes intervenções de teclados/minimoogs/sintetizadores, guitarras carnavalescas, percussão ativíssima, letras e posturas pós-tropicalistas, praia, verão e peitos nus ao sol eram, entre outras coisas, os toques dos quais a Cor imprimia; e que fizeram muito sucesso no final da segunda metade da década de 1970 e início dos anos 80. Muitos hits desta fase: Arpoador, Palco (regravação do sucesso de Gil), Zanzibar, Semente do Amor, Zero, Alto Astral, Mudança de Estação e Abri a Porta (também regravação de Gil em parceria com Dominguinhos).

Não obstante a este período em que o grupo conquistou o Brasil, houve a saída de Armandinho depois do disco Mudança de Estação de 1981. Foi uma saída que determinou a mudança de uma sonoridade elétrica-nordestina-carioca-praiana para uma (com pavor de cometer injustiças), digamos, mais sofisticada, de arranjos mais atualizados e de concepção jazzística. Tudo isso se deve ao substituto de Armandinho: Victor Biglione.

Biglione entrou para gravar o Magia Tropical. Sua guitarra fez o som da Cor ampliar-se. A nova mistura rejuvenesceu o grupo. Magia Tropical não deixa de ser um disco pop, é verdade, mas possui, por conta da participação de um virtuose feito o Biglione, um frescor conceitual. Biglione permitiu que a Cor experimentasse outros ares, outros mergulhos e outras densidades.

Uma das características marcantes da Cor foi a de sempre incluir músicas instrumentais em seus discos. E o Magia Tropical não foi diferente. Biglione emplaca logo de cara duas instrumentais (Ping Pong em parceria com Mu e Outras Praias, só dele). Gosto para dedéu desta última.

Caetano e Gil têm inéditas gravadas. Do primeiro, Menino Deus, canção que por muito tempo teve apenas este registro da Cor; anos depois, ouvi uma versão voz e violão do autor, meio insossa, arrisco-me a opinar. De Gil, o grupo gravou Goma de Mascar (único registro que conheço da canção) e uma versão que ele (Gil) fez para Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band dos Beatles e que virou Sargento Pimenta e a Banda Solidão, que ouço até hoje amarradão. Amo também Goma de Mascar, canção praticamente desconhecida.

Magia Tropical tem um dado relevante: uma canção (letra e música), sabe de quem? Três chances para vocês: errou. Errou e errou... De quem? Isso mesmo, Sr. Paulo Leminski. Chama-se Razão. Muito bacana. Magia Tropical ainda traz uma dupla reedição. Duas parcerias de Mu com Paulinho Tapajós: Eternos Meninos e Flor de Alecrim, canções que residem na minha memória musical e que até hoje me pego cantalorando esquinas à fora. Paulinho Tapajós, para quem não sabe, é um dos autores de Andança e também de Sapato Velho.

Este disco que hoje o DMV versa, reinou (e reina) na minha vida por muitos anos. Magia Tropical representou o início de uma nova perspectiva de vida, de novas possibilidades até então desconhecidas. Foi uma preparação empírica para tudo que ouviria na década de 1980.

Já agora, nesta parte final deste DMV, noto que a única canção da qual não fiz nenhuma referência foi a que dá nome ao disco. Parceria do Mu com o Evandro Mesquita, Magia Tropical, a canção, paradoxalmente, é uma das piores deste trabalho. A letra é adjavaniada, ou seja, não se entende bulhufas. Mas a música é muito boa. Logo de cara percebemos a mudança pela entrada de Biglione.

Então... caso não tenha alquimia, alquimie-se. Caso não tenha magia, magie-se. Caso não tenha amor, ame-se. Caso não tenha gamado, game-se. Caso não tenha ouvido, aumente o volume.


Marlos Degani escreve poemas, crônicas, arranha um violão e agora se arrisca no mundo dos quadrinhos. Acompanhe sua inquietação em:

O poeta está no Twitter @MarlosDegani

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Zarayland 15

Zarayland quinze está bacanudo. Adorei escrever sobre cada historinha aqui. Deu trabalho mas valeu a pena, espero que vocês sintam tanto prazer quanto eu senti.

Minhas filhas e meu sobrinho foram embora e meu apartamento tão pequeno virou um galpão vazio sem seus barulhos musicais, sem seus pedidos e amores. Sem o “me abraça” ou o “me beija” sem o “te amo!’’ tão inesperado e tão verdadeiro. Já estou morrendo de saudade!

Por aqui o carnaval já começou faz tempo. Sexta teve show de Junio Barreto (com participações de Lula Queiroga e de Otto), sábado rolou show de Siba e hoje é dia de Guaiamum Treloso com 440, Eddie, Mombojó e Manu Chao e eu estarei lá mandando brasa!!!

A edição quinze ficou assim:

1) Lembro do maior time de futebol que já jogou em Nova Iguaçu: Los Perebas Soccer. Retrato de uma época viral, onde o que inventávamos virava moda.

2) Como prometido no Facebook, segue minha HQ de 23 anos.

3) Sgt, Pepper’s Lonely Hearts foi seu divisor de águas na inventividade do Rock in Roll? Para mim foram os dois primeiros discos da banda de Porto Alegre DeFalla. Fazer o que?

4) Apresento a vocês a Terça do Vinil, mas uma vez dedico meu tempo e o de vocês ao Dj 440 (é que o cara é um workaholic), mas desta vez falo sobre seu projeto de maior sucesso.

5) A volta da coluna MEU POVO faz uma homenagem ao maior ator de Nova Iguaçu, para mim. O cara que consegue ser profundo e raso, único e vário. Um irmão chamado Marcos Serra! A propósito, esta minha foto preto e branco da abertura do Zarayland é dele!

6) Marlos Degani em sua coluna DMV começa a colocar suas impressões sobre a vida e menos sobre a música, do lado de fora. Algo aqui mudará nossas vidas ou levá-las aos recônditos mais remotos das lembranças ou ao prazer da arqueologia musical. Simbora!

Quero acrescentar minha total força ao amigo Ras Bernardo que foi tragicamente alvejado com quatro tiros ontem em Nova Iguaçu quando chegava em casa. Este Zarayland e toda energia boa que ele possa gerar, quero dedicar a ele e a sua recuperação. “Hei, hei estamos aí, pro que der e vier”.

Um beijo, um queijo e um beliscão de caranguejo!
Zaray

Los Perebas Soccer

Los Perebas Soccer foi assim: certa feita Eloy, Blue e Eu conversávamos sobre nossas vidas sedentárias e de uma hora pra outra eles resolveram voltar a jogar futebol. Modalidade que joguei muitas vezes na infância como um pereba clássico. Não como eles, amadores que faziam diferenças. Eu jogava nos times do bairro por dois motivos: 1) Eu era o dono da melhor bola e 2) Topava ser goleiro. Mas ainda assim, nunca fui bom no gol. Além desses dois motivos, depois de inserido ao grupo, era eu quem organizava as peladas. Fazia até campeonatos com times de outros bairros e de outras escolas.

Por isso topei, mais uma vez, organizar uma peladinha as terças-feiras na quadra da Praça da Rádio Solimões. Convidamos os poetas e outros amigos para tal empreitada, pois precisávamos ter ao menos dois times para isso. Claro que eram times super mistos, com alguns de nossos amigos e amigas, namoradas, filhos e alguns outros curiosos.

Batizamos logo nossa pelada de LOS PEREBAS para mostrar que ninguém jogava bem e tal. Quando alguém queria jogar “a vera” avisávamos que ali era apenas uma brincadeira e quem quisesse jogar sério que montasse sua própria pelada. A poeta Lírian Tabosa já nos seus 60 anos era a goleira de um time, o Hugo Imperiano com seus 8 ou 9 anos era atacante de outro. Kátia Vidal e Gisela Barros zagueiras que jogavam bem mais que eu.

Em frente à quadra ficava o trailer do Bigode (não “o” Bigode Le Mustache, mas sim um genérico) e da Céia. Eles ficavam muito felizes com nossas peladas, afinal, eram caixas e mais caixas de cervejas consumidas pelos “atletas” (na primeira pelada eu não agüentei 15 minutos correndo) que depois enchiam a cara e pela turma que só se concentrava mas não jogava.

Logo o trailer virou mais um point nosso, e de fato, sempre tinha mais gente na “concentração” que na quadra. O sucesso do Los Perebas foi tanto que fizemos um histórico “amigo-oculto” (aqui em Recife, amigo-secreto) reunindo uma galera gigante e o engraçado é que ela era muito diversificada: tinha idosos, crianças, intelectuais, playboys, poetas, cachaceiros e muito mais.

Nosso futebol durou um pouco mais que um ano, nosso futebol. Foi todo o ano de 1997 até a Copa do Mundo de 98 (chegamos a assistir um jogo do Brasil no trailer, mas migramos para a Zoé 90 – e esta já é outra história para o futuro) quando alguns peladeiros começaram a se levar muito a sério e nós mesmo, fundadores, já não podíamos mais jogar. Era perigoso para as senhoras e para as crianças e disputado demais para nós, meros perebas.

Los Perebas Soccer foi uma daquelas coisas que começam despretensiosamente e se tornam geniais pelo mesmo fator que tornou tudo que fizemos até hoje tão apaixonante. Los Perebas Soccer não passava de uma grande reunião de amigos. Nada mais que uma celebração das nossas amizades! Gol para gente!

Desenhos e HQs

Inaugurando mais uma coluna no Zarayland. Desta vez uma HQ que fiz em 1988 chamada Partidarqui!

DeFalla

Nos anos 80, em Nova Iguaçu, existiam duas boas lojas de discos. Uma era a Discorama que ficava ali na travessa Rosinda Martins ao lado da Ruíder quase em frente A Popular. Onde trabalhava o lendário Jorge e seu indefectível bigode. Ali chegavam as novidades, dava para gente conhecer as bandas. Era só pedir ao Jorge colocar na vitrola e ficar ali ouvindo e jogando conversa fora. Era um point para os amantes da música.

A outra era a Discoplay (do mesmo dono, eu acho) que ficava na galeria dos Classificados do O Globo. Esta galeria era alimentada sonoramente pelos discos tocados na Discoplay. As vezes, discos mais obscuros eram mais fáceis de serem encontrados nesta loja. A Discorama era mais ensolarada.

Esta foi a época que comecei a comprar discos. Discos de rock. Pop-rock é bem verdade. Meu primeiro LP foi Ultraje a Rigor: Nós Vamos Invadir Sua Praia com dinheiro que juntava e guardava dentro do livro O Falso Húngaro. Minha irmã Cláudia assinava a revista BIZZ - especializada neste segmento - onde eu descobria muitas bandas. Lendo muito sobre e ouvindo nada. Era curioso, tinham bandas que eu adorava, acompanhava sem ao menos tê-las ouvido uma única música. Coisa de pirralho!

Adorava ler as resenhas dos discos na seção Lançamentos. Fazia minha listinha e saía em busca, muitas vezes frustrantes. Numa dessas críticas li sobre o disco de uma banda Portoalegrense chamada DeFalla (nada a ver com o compositor espanhol Manuel De Falla), assinada por Arthur G. Couto Duarte, muito inspirada. Fiquei curioso demais e fui a caça. Em lojas de departamento era praticamente impossível um disco desses chegar. Ultralar, Lojas Americanas, Parque dos Brinquedos nem pensar. Fui logo na Discorama, mas não tinha. Jorge me disse: “Dá um pulinho na Discoplay que eu acho que lá tem”.

Tinha.

Mas antes solicitei a vendedora da loja, que colocasse no toca-disco, para eu ver se iria gostar. Quando começaram os primeiros acordes sujos de “Ferida” e os gritos ensandecidos de Edu K, a bateria rolo-compressor de Biba Meira a vendedora (diferentemente do Jorge, um conhecedor musical) veio me perguntar: “É assim mesmo?” e eu meio com vergonha, sei lá do que, só disse: “Põe a outra”. E a despiroquice sonora ia além! A vendedora arregalou os olhos e os transeuntes e toda a galeria ouvindo aquilo. “Pula”. Mais loucura ainda. “Próxima”. Doideira, sujeira, gritos. Ela apavorada! E eu: “Embrulha, vou levar”.

Hoje ouvindo, vejo que tudo é até bem light. Mas em 1987, acostumado a ouvir Legião Urbana e achando Cabeça Dinossauro dos Titãs um disco punk, era a coisa mais hardcore que eu havia escutado.

Como perturbei minha irmã Cláudia com o disco. Ela estudava para o vestibular, tadinha, e eu passava o dia ouvindo aquelas faixas maravilhosas que mudaram minha vida. E ouvia alto, muito alto. Era a coisa mais louca que eu já havia conhecido. Distorções, letras nonsense, ininteligíveis, misturando português com inglês, metal com hip-hop, Tim Maia com extintor de incêndio, samplers de falas de cinema, barulhos berros e distorções. Era o maior parque de diversões que meus ouvidos poderiam desejar. “Não Me Mande Flores”, “Sodomia” e “Sobre Amanhã” viraram clássicos da minha existência.

No ano seguinte o selo Plug colocou o segundo na rua. “It's Fucking Borin To Death” virou meu hit pessoal. O disco puxava mais para o hip-hop mas não deixava de ser intrigante. Uma cover de “Como Vovó Já Dizia” abria a porradaria. Mas o que prevaleceu neste disco foram as letras em inglês (inaugurando uma tendência que ficou over alguns poucos anos depois com um monte de bandas só cantando em inglês). Meus dias passaram a ser embalados por “I Have to Sing a Song”, “36 Ddonald Dicks” e “I Was Trying to Shoot a Gun”.

O DeFalla saiu do selo Plug, mudou de formação várias vezes, lançou uma penca de discos, mudou de estilos como quem muda de roupa e Edu K (o louco genial por trás do DeFalla) é o rei na mudança de roupas e personagens, antecipou movimentos que anos depois dominariam a mídia, fez sucesso com o Miami-bass “Melô da Popozuda” influenciou diretamente bandas como Pavilhão 9, Ultramen, Nação Zumbi, Pato Fu, Mamonas Assassinas, Planet Hemp e Marcelo D2.e hoje em dia anda fazendo shows com a formação original e com o repertório desses dois clássicos discos da minha vida. Pa-pa-pa-pa-party!!!!!!

Terça do Vinil

Mais uma vez venho a vocês para falar do DJ 440. O que posso fazer se o cara é um operário da música com suas invencionices e eventos, onipresente em festas e shows que adoro ir, generoso com os apreciadores da boa música, disponibilizando discos (em seu blog DNA – Discoteca Nacional http://discotecanacional.wordpress.com/) ou músicas soltas (em seu grupo de Facebook Toca-Fitas do Dj 440 https://www.facebook.com/groups/tocafitasdodj440) .

Mas hoje quero falar de um evento que é o seu xodó. A “Terça do Vinil”. Estava ainda no Rio quando conheci o projeto. Ao menos o nome e a divulgação que rolava no saudoso blog Som Barato. Quando cheguei aqui em Recife em 2008 e comprei a Revista Veja Comer e Beber para servir de cão-guia para minhas garimpagens cachaçais, vi o botequim do ano: Bodega do Véio e lá no textinho de apresentação: Toda terça-feira A Terça do Vinil comandada pelo DJ 440.

A Bodega do Véio na verdade é um empório de secos e molhados que também vende cerveja gelada para ser consumida no balcão. Só que a cerveja sempre estava tão canela de pedreiro que a fauna olidense e recifense começou a marcar happy-hours por lá. A Terça do Vinil que já havia passado pelos bares Estrela Guia (Recife) e Xinxim da Baiana (Olinda) se sentiu em casa na Bodega. A arquitetura das ruas de Olinda (sítio histórico) era a cara de um evento como a Terça do Vinil.

Marcamos eu, Denise Dantas, Allan Henrique, Francisca, Antônio Allan e Jussara e passamos uma noite agradabilíssima ao som de raridades da discoteca nacional. Samba da antiga, soul, brega (de raiz, de raiz), Roberto Carlos e outros quitutes que me deixaram com os ouvidos envernizados.

Mais tarde virei amigo de 440 (Juniani Marzani) e comecei a vê-lo com mais freqüência, principalmente no Vinil & Outras Cozinhas, evento que comandava as quintas ao lado do chef Rubem Grumpete no Bar Borburinho.

Susto foi no final do ano passado. O Ministério Público proibiu música no Sítio Histórico de Olinda, ou sei lá a música na Bodega do Véio! “Putaquepariu” pensei “Mas um evento bacanudo que se vai aqui em PE”. Mas que Juva me consolou: “Relaxa que já estou vendo outro lugar”.

Surpresa! No mesmo dia ele me deu a notícia: “Terça do Vinil continua viva, só mudamos o endereço para o bar A Fábrica, na beira-mar de Olinda ao lado do Dogão na praça do Fortim do Queijo”. Confesso que fiquei meio ressabiado, achava que saindo das ruazinhas de Olinda histórica perderia a graça. Acabaria.

Aí que está a grande surpresa, caros amigos, a Terça do Vinil não só sobreviveu como ganhou novo fôlego, cada terça fica mais lotada de gente bonita querendo ouvir músicas em vinil. DJ 440 começa tradicionalmente (nova tradição na verdade) um set só com Jazz para depois entrar no mundo maravilhoso da música brasileira produzida em todos os tempos.

Quem chegar por aqui em Recife para me visitar e implorar muito, juro que faço um esforço e vou até lá. Um esforrrrço que vocês nem imaginam!!!

Meu Povo: Marcos Serra

Tenho medo de no futuro ter o Mal de Alzheimer. Talvez seja esse o motivo de escrever minhas lembranças na forma deste blog. Uma maneira de perpetuar e dividir tanta coisa que guardo com carinho nesta cachola já corroída pelo viver intenso.

Lembro-me de Marcos Serra ainda menino. Morava na minha rua com seu tio e sua tia. Era um molecote franzino, carinha de intelectual e muito na dele. Umas das lembranças mais marcantes deste período foi um carnaval. Eu e ele deveríamos ter uns 13 anos.

Depois de muito pedir aos meus pais, ganhei uma fantasia de Bate-Bola (em São Paulo Clóvis e equivalente aqui ao nosso Papa-Angu). Fiquei radiante! Como dizia meu pai: “O melhor da festa, é esperar por ela!” saíamos bem antes do carnaval chegar, já fantasiados pelo bairro, para assustar a molecada e ser assustados pelas Bruxas (outra gang de Bate-bolas só que formada por rapazes mais velhos e com trajes muito bem acabados e com vários detalhes, incluindo aí uma vasta cabeleira e um chapéu de bruxa). “Cariri Não!” era seu grito de guerra e start para o nosso pânico.

Eu e minha turma perambulávamos sedentos pela nossa rua, quando vimos um casal de irmãos sentados na porta de casa e resolvemos aterrorizá-los correndo em sua direção, batendo nossas bexigas plásticas no chão fazendo aquele barulho enorme de trovão. A menina começou a chorar, no que de dentro de sua casa rasga o barulho a voz de Marcos Serra: “Tenham vergonha! Vão ficar assustando as crianças! Saiam daqui agora!!” e todos meus amigos se calaram. Ninguém teve coragem de enfrentá-lo. Saímos com os rabinhos entre as pernas, com comentários tipo: “cara babaca”... Mas na verdade todos ali estavam admirados de sua coragem. Enfrentar um grupo de Bate-bolas, desmascarado!

Esta parábola define o que penso do homem Marcos Serra.

O ator, eu conheci mais tarde, no Daniel’s Bar no início dos anos 90. Já quase adultos na época de nosso desbunde. Ficamos amigos e vivemos muitas viagens juntos naqueles loucos anos. Eu no Desmaio Públiko e ele no Agito Cultural (alguém me disse há pouco tempo quando fui ao Rio que existia uma rivalidade velada entre a gente, mas juro que não sabia ou se sabia não me lembro) agitávamos a cidade com nossas performances.

Vi Marquinhos atuar em várias peças. A primeira foi Calidoscópio (o nome era esse mesmo) de Ileci Ramos Filho. Depois, ele e Alexandre Brollo fizeram Barrafunda no projeto Desmaio Públiko e a mesma esquete com Kátia Vidal em outro momento no Bar Saca-Rolha. E vieram peças e mais peças. Até chegar a Quixote, O Dom da Loucura. Que merecerá um post só dela em breve, e sua atuação um parágrafo único.

Marcos Serra representaria Dom Quixote, narrado como um europeu esquálido e frágil. Marcos é negro, estava com uns pesinhos a mais, dreads e conseguiu fazer o melhor Dom Quixote que já vi em toda a minha existência. Vê-lo em cena era emocionante. A loucura dominando o personagem, a arrogância, o arrependimento, o brilho e as chamas no olhar, o falar sozinho no palco quando não era dele a fala, o enxergar do nada. Fico arrepiado ao lembrar-me de uma atuação brilhante. Portentosa. Até então, imbatível para mim.

“Até então” porque não esperava por Benjamim de Oliveira, o palhaço!

Era o último dia da peça Benjamim no teatro da faculdade UNI-Rio na Urca e Marcos havia nos convidado para a estréia. Tinha que ir. Ele era o protagonista novamente, anos depois de Quixote. Entre as duas obras teve a adaptação para o teatro do livro Desabrigo de Antônio Fraga. Chovia cântaros quando saí de Nova Iguaçu e só piorou na Dutra, na Avenida Brasil (que parecia um lago) carros enguiçando, até no viaduto da Perimetral tinha poções e o Aterro do Flamengo estava embaixo d’água. Mas o “Sardinha” (meu Corsa) era guerreiro como um Fusca e passou tranqüilo. Cheguei tenso.

Marcos Serra e seu Benjamim de Oliveira dissiparam toda e qualquer tensão. Numa representação sublime, Marquinhos circulou por todas as épocas da vida do primeiro palhaço negro do Brasil. Criança, adolescente, adulto, velho. Inocente, curioso, arrogante e nostálgico com habilidade espantosa Marcos em uma das cenas mais brilhantes de sua carreira, entra e sai de personagens em frações de segundos quando interpreta as lembranças de um Benjamim já cansado a beira da morte. Bravíssimo. Aplaudi de pé com um sentimento de orgulho como se tem por um filho!

Marcos Serra esteve aqui em Recife e o centro da cidade nunca mais foi o mesmo depois de seu furacão. Junto aos seus alunos da Oficina de Intervenções Urbanas, fez várias performances num sábado de manhã deixando os transeuntes boquiabertos!

Este é Marcos Serra. Meu povo. Salve Valadão!!!

DMV: Sítio do Picapau Amarelo

Deve faltar muito pouco para estes DMV’s acabarem virando meu confessionário virtual. É que, na verdade, este disco (na verdade são dois) da minha vida de que vamos falar nesta edição, me remete para um tempo que não existe mais. Sempre combati com veemência, muitas vezes além do que a necessária, esses blábláblás falsamente sofisticados, tergiversantes (e o Cézar sabe bem disso, pois várias vezes nos debatemos sobre este assunto) que em vez informar ou esclarecer, apenas complicam a vida das pessoas. E, de repente, me pego em vergonhoso flagrante, ao escrever “me remete a um tempo que não existe mais.”. Qual seria o tempo que existe mais? Que tempo sobrevive às intempéries do próprio tempo? Que tempo é o presente?

Sabemos todos que esse negócio de “tempo que não existe mais” é um tremendo prato cheio para a Madame Natasha do Elio Gaspari. Mas realmente, este é um DMV recheado de emocionalidades. Ao mesmo tempo também coberto de lembranças boas (nem saudade, nem nostalgia, apenas recordações) daquele momento que o século XXI defenestrou completamente. Foi assistindo ao documentário do Paulinho da Viola, dirigido pela Izabel Jaguaribe, há uns seis ou sete anos atrás, que fui perceber, pela generosidade do Paulinho, que nós podemos lembrar de bons tempos, mas nunca esquecer de que nosso tempo é o agora. Paulinho me ensinou muito neste documentário. Recomendo a todos. Chama-se: Meu Tempo é Hoje, 2003, 83 minutos, Documentário, Izabel Jaguaribe, Brasil.

Tem uma articulista da Revista Época, Ruth Aquino, que chamou a geração que nasceu a partir de 1960, de Geração do Meio. Meio tempo de vida sem internet, meio tempo de vida com internet. Achei bacana essa idéia da divisão de tempos, digamos assim. Até porque a internet foi mesmo um divisor de águas na vida do homem e, cada vez mais, a tecnologia interferirá no modo de o homem se relacionar com os seus pares e também com o planeta. Portanto, com o estilo que vivi a minha infância nas décadas de 1970 e 1980, nunca mais serão possíveis sequer ínfimas comparações; vejam os antagonismos: campinho de terreno baldio e campo de grama sintética; polícia versus ladrão e videogame. Vamos ficar em duas, mas temos muitas outras.

Bem, mas afinal de contas, o assunto aqui é música, não é? E o DMV de hoje versa sobre dois discos que marcaram a minha vida e que ajudaram que eu tivesse uma infância mais iluminada e sonhadora. Faço referência aos dois primeiros discos do Sítio do Picapau Amarelo. No total foram quatro discos, dois relativamente recentes. Mas os dois discos da década de 1970 são, de fato, os melhores, especialmente o segundo, com músicas de Chico Buarque, João Bosco, Ivan Lins, Dori e Dorival Caymmi, Geraldo Azevedo, Paulo César Pinheiro, Doces Bárbaros, Sérgio Ricardo e Jards Macalé. Um discaço. Dorival cantou a moda da Tia Anastácia. Lucinha Lins da Narizinho. João Bosco do Visconde (é uma das minhas preferidas). Sérgio Ricardo da Emília. Doces Bárbaros do Saci. Uma belezura, gente!

O primeiro disco do Sítio foi um trabalho muito intenso do Dori Caymmi. É bom também, pois ele compôs temas do Rabicó, do Garnizé, do Quindim, do Jabuti e da Cuca. Dori é um craque. Vale a pena ter os dois, ouvir alto e mostrar aos seus filhos.

Hoje em dia temos, também, excelentes compositores de música infantil. A Bia Bedran, o Zé Zuca, o Palavra Cantada são bons exemplos. Mas, não sei se uma questão de época, e em minha opinião, nunca chegaram ao patamar das canções compostas para o Sítio. Pode ser defesa de um tempo, tudo bem.

E aí? O que está esperando? Se não brincou, brinque; se não ouviu ouça; se não amou ame.



Marlos Degani é poeta e sente saudade das peladas de fim de tarde com aroma de feijão refogado. Visite o blog do moçoilo em:

Twitter @MarlosDegani