sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

DMV – As Cidades – Chico Buarque

Meu amigo Cézar Ray deve dizer o seguinte quando começar a ler este DMV: − Estava demorando demais para o Degani falar do Chico... E ele, como sempre, está com a razão. Evitei escrever sobre alguns dos vários discos dele que fazem parte da minha vida, propositalmente. O Cézar e mais alguns amigos meus acham que eu passo a vida toda ouvindo o Chico Buarque... Ouço, é verdade... Mas nem tanto... E a hora chegou!

Antes de falar propriamente do disco em voga, há um aspecto sobre Chico Buarque que gostaria de comentar com vocês: muitas pessoas atribuem a admiração que têm por ele, além da própria e indiscutível genialidade do compositor, por conta de sua (dele) participação na época da ditadura militar brasileira com composições históricas que estão eternizadas na memória do Brasil e dos brasileiros contra a falta de liberdade de expressão e tudo de nefasto que isto acarreta. Tudo bem. Respeito e admiro sincera e profundamente. Mas o artista, na minha quase isolada opinião, não tem obrigatoriamente de se envolver nas questões sociais e/ou políticas de seu povo ou de seu país ou de qualquer povo ou lugar que haja. Sei que é uma posição polêmica, mas não vejo, não vi e nunca verei este cordão umbilical do artista com quaisquer causas. No caso do Chico, ele participou porque achou que tinha de participar. Mas se não o fizesse seria o mesmo Chico, até porque as canções ditas engajadas são as piores que ele compôs, na minha empírica e leiga avaliação. A única causa do artista tem a ver com a sua arte. E já faz muito. E é difícil para alguns bobões de plantão entender isso, pois veem a vida com um ato de rebeldia, não aquela necessária às boas causas, mas, sim, aquela eternamente contra tudo e contra todos, aquela xiita, aquela idiota que, infelizmente, observamos por aí com alta frequência. O que me incomoda é a patrulha ideológica: são os tais que tomam conta da vida dos outros e “exigem” isso, “exigem” aquilo. Uns bossais egocêntricos que não enxergam a um palmo de seus próprios umbigos.

Vamos deixar de lado esses assuntos e tratemos de falar sobre o que nos interessa. O DMV desta edição versa sobre um discaço: Chico Buarque - As Cidades, de 1998, Sony, selo RCA, produzido por Luiz Cláudio Ramos e Vinícius França e capa maravilhosa do Gringo Cardia.

As Cidades representa um ponto especial na carreira do nosso Chico. Um disco de tom triste, proposital, que ele imprimiu nas gravações. Segundo o próprio, a unidade veio nas últimas seis canções do disco, porque até então nada o conceituava, o alinhavava. Na verdade um cara perdido entre vários sonhos em várias cidades. O disco tem pontos altíssimos: “Sonhos Sonhos São” traz pelos menos dois fragmentos de lirismos impressionantes − “Aliso teus seios e toco/Exaltado coração/Então despes a luva para eu ler-te a mão/E não tem linhas tua palma...” E o outro: “Conduzo tua lisa mão/Por uma escada espiral/E no alto da torre exibo-te o varal/Onde balança ao léu minh’alma...” − noves fora o bandoneon do Ubirajara Silva que recorta toda a composição de maneira desalinhada, tensa e genial. Uma particularidade dessa música é que toda a tensão dá-se pelo narrador ser uma salvador da pátria, diante da falência dos sistemas econômicos da América Latina e ele não está muito interessado no tema e sim no seu amor distante. Um sonho dentro de um outro sonho.

Outros pontos altos do disco: Assentamento (o compositor faz referência direta à obra de Guimarães Rosa numa canção estritamente brasileira, de letra de alta densidade poética e ricos arranjos de LC Ramos e belo violão do próprio), A Ostra e o Vento (da trilha sonora homônina do filme de Walter Lima Jr, com participação especial da Branca Lima, que soma uma voz quase adolescente, porém cheia de presença e estilo; destaque para o naipe de metais e o piano de João Rebouças), Iracema Voou (a velha brincadeira do nome Iracema que contém todas as letras de América, mas numa história que conta a discreta saudade que ela tem de sua terra, o Ceará, mas que prefere ficar por lá, enquanto der) e Cecília (parceria com LC Ramos, linda letra e exuberante arranjo do maestro). Há a hermética Você, Você, parceira com Guinga. Uma música sem dúvida sofisticada, mas que o próprio Chico não tocava em shows por insegurança. Já pensou na “simplicidade” do Guinga?

Na minha humilde opinião, As Cidades, até agora pelo menos, foi o último grande álbum do Chico. Acho que a literatura cooptou o nosso compositor de maneira definitiva, apesar dele ter lançado mais dois álbuns de inéditas depois desse, o “Carioca” e o “Chico”, além de coletâneas e discos ao vivo.

O nosso Chico Buarque frequenta a galeria dos medalhões-compositores de toda a história da música brasileira, junto com Carlos Gomes, Noel Rosa, Luiz Gonzaga, Heitor Villa-Lobos, Tom Jobim, Cartola, Pixinguinha, Ary Barroso, João Gilberto, Dorival Caymmi, Jorge Benjor, Roberto e Erasmo Carlos, Caetano Veloso e Milton Nascimento, enfim, o primeiríssimo time. Não, não me esqueci do Gilberto Gil. Por algum motivo, ele fica no primeiro time, mas não no primeiríssimo, claro, na minha modesta opinião. Aliás que primeiro, hein? Lupicínio Rodrigues, Gil, Gonzaguinha, Fagner, Djavan, João Bosco, Aldir Blanc, Elomar, Vinicius de Moraes, Paulinho da Viola e Paulo César Pinheiro.

Então é isso! Se não sonhou, sonhe, se não ouviu, ouça. Se não amou, ame. Se ainda não deu um, dê dois: vexames.

Linkezinho para conhecer o As Cidades: http://www.4shared.com/rar/fY0UnpHT/1998_-_As_Cidades.htm

Marlos Degani
Para quem não sabe, Marlos Degani é poeta. Lançou em 2007 o livro “Sangue da Palavra” e o Cd de poemas “Até Agora!” é colunista do site Baixada Fácil. Acompanhe o poeta em:

Twitter @MarlosDegani

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