segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Buraco Virtual do Desenrolo Filosófico

ALFREDINHO

Alfredo tinha 10 anos de idade e uma vontade completamente atípica, era sede de mundo que seus amigos da mesma idade não tinham muito não. “Alfredinho” como era chamado por todos, era bem quieto, observava os amigos jogando bola e participava, do lado de fora, com seus gritos e total ironia das coisas. Nunca gostou muito de esportes e por aquela idade já estava certo de que não iria se aventurar em nenhum outro, embora só conhecesse os mais praticados no seu país. Um dia Alfredo estava na sala de aula e sua professora falou sobre poesia, ficou ele ali, quieto, olhos vidrados na lousa, enquanto a professora escrevia.

“POEMINHA DO CONTRA”
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Alfredo leu, leu novamente e releu mais umas 10 vezes, algumas crianças ao seu lado riam, ele ali fomentado a entender o que a coisa queria dizer. Não sabia o significado de poesia e se viu confuso naquela escrita “com duplo sentido” que Mario Quintana eternizou.

- Alfredo, gostou? Entendeu? – perguntou a professora enquanto ajeitava os óculos na face.

O menino quieto, com os olhos na janela, procurava nas árvores do colégio, uma resposta.

- Professora, ser um passarinho é ser poeta? Tipo assim, um passarinho é o próprio poeta? Porque se as pessoas ‘passarão’ e ele passarinho, ele passa devagar ou ele é um passarinho?

A professora deu um pequeno engasgo, fez tossir, olhou novamente pra Alfredinho e disse:

- Sim Alfredinho. Se você entender que a mente de um poeta pode ter asas e associar que pássaros também as tem, você pode ser um poeta.
- Professora, ele é um passarinho ou ele passou devagarzinho? – insistiu o menino.
- Eu não sei te responder isso. Disse a mulher com tom de insegurança.

As demais crianças riam da cara de Alfredinho como se tivessem pena e achassem graça nas perguntas ‘sem sentido’ do menino quieto, tímido e observador. Naquela tarde ao chegar em casa foi a primeira coisa que perguntou ao seu pai:

- Pai, me explica o que é poesia?
- O que você quer saber filho? Perguntou o pai enquanto deitava no sofá.
- Queria saber o que é poesia e se o senhor tem alguma? Um tal de ‘Mario Mintana’ tem uma que a professora nos mostrou hoje.
- É Mario Quintana filho. Corrigiu rápido sorrindo.
- Isso! Esse Mario disse na poesia dele que era um passarinho. Mas e se ele é poeta, então, um poeta pode voar pai?

O pai ficou mudo, os olhos se voltaram para o teto por alguns segundos e ele disse:

- Não tem quando você está deitado, na hora de dormir, e fica se imaginando lá na casa de campo da vóvó? Quando você fica se imaginando lá, correndo, brincando, tomando banho de piscina, consegue lembrar com detalhes como é o sítio, o cachorro Rex da vó e até aquele cheiro que ele tem quando se molha?
- Sim pai, claro, claro, consigo! Dá até saudade.
- Pois então, mas você não esta deitado na cama filho? Como pode sentir tudo isso?
- Acho que é porque eu amo a casa da vovó e minha mente voa até lá, caraca!
- E quem voa é quem meu filho?
- Passarinho pai. Disse todo sorridente.
- Passar seu pensamento pra escrita em um papel, na hora em que você voa em pensamento como um passarinho, que te leva a alguém ou algum lugar que ama, te faz feliz, isso é poesia filho, acho que isso é a poesia.

Explicou meio aliviado e confuso.
- Pai, posso te falar uma coisa?
- Claro Alfredinho!
- Eu sou um Poeta então? Esticando o braço entregando um papel ao pai.

O pai meio sem entender, pega, ajeita o olhar e lê:

“Poeminha Da poesia”
Na janela da escola
tem árvores que são casa de passarinho
Lá o pensamento dorme,
O Mario Quintana voa,
O mal passa e a poesia
é um pensamento cheio de graça.”

- Que isso meu Alfredinho, meu filho, você é um poeta! Maravilhoso sabia?

O menino se pegou a sorrir enquanto abraçava o pai.

- Mas posso te falar uma coisa? Disse o pai com os olhos d’gua:
- Você é minha melhor Poesia.
- Ué pai, eu sou poeta ou sou POESIA? Ih, coisa mais confusa – disse ligando a TV.
- É filhão, vamos deixar pra amanhã, a gente continua essa conversa, meu poeta-poesia.
- ham?

Hugo Mendes Guimarães (Hugudão) Hugo é poeta desde pequenininho. Seu pai um poeta que não precisa escrever sonetos. Respira poesia. Mora lá em Búzios só para ficar perto do mar. Do amar. Da brisa e da musa. Tá sempre me surpreendendo com seus textos que me emocionam para caramba!

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Um comentário:

silvana disse...

O Hugo foi no "X" da questão. Com o olhar de quando a gente é pequeno e descobre este poema do Quintana. Lembrei-me de quando o li pela primeira vez na escola e o repeti pro meu pai!!!! Ele me olhou desconfiado e falou "tem alguém te importunando na escola, filha?" (rsrsrs) E eu, falei: "Não,pai, isto é Poesia",