- O quê? O prazo é hoje, 23h! Como assim?
Uma pilha de coisas lhe esperava. Já eram 20h, ou 8 da noite, se preferir. Olhava em volta de si e via papéis por todos os lados. Anotações importantes, outras caducas, sem valor algum. Teclando, teclando, teclando. E o jantar? Uma puta-fome! E como iria aprontar aquela história até às 23h sem comer nada? Mas isso era o de menos, frente ao monte de coisas que precisavam ser feitas antes.
- Porra de prazo, também! Tudo em cima, tudo pra ontem, inclusive isso!
Realmente tinha muitas outras coisas para fazer antes de começar sua história. Passara o dia envolto em projetos, textos, cronogramas, idéias, cansaço e altas doses de MSN. Conversara com SP, RJ, ES, e quem mais chegasse, tudo ao mesmo tempo. Seu trabalho agora era assim, da sua casa organizava tudo. Home Office, como diriam os gringos. Não poderia parar. A hora estava passando, a pilha de coisas parecia não diminuir. E a porra da dor de cabeça! Tinha que aparecer logo agora, nessa correria danada?! Lembrou da mãe: “meu filho isso é fome, vai jantar”, ela diria se estivesse ao seu lado. “Não dá mãe, tenho que entregar uma porrada de coisas e não estou nem na metade, e ainda quero escrever um conto”, diria ele na réplica.
- Prazo do cacete! Por que até às 23h?
Mas não adiantava reclamar. Ele sabia que tinha deixado pra última hora. Afinal, existem tantas outras coisas mais importantes, não é mesmo Seu-Zé-Mané?! Ganhar dinheiro, por exemplo: isso sim vem primeiro, depois você se diverte escrevendo suas bobagens. Primeiro o pão, depois o circo, meu camarada... e se der tempo! Mas nunca dava. Antes termine tudo o que “seu chefe” mandar, depois vai escrever seus “continhos”. E tem mais uma coisa.... ok, ok, deixemos de pensamentos inúteis, o prazo é até às 23h, senão não será publicado. E tanta coisa pra fazer antes. Só de planilha Excell umas 6 abertas ao mesmo tempo. Várias pastinhas de arquivos pipocando na tela do computador. Arquivos Word incontáveis.
- PQP! Tenho que fazer isso tudo antes de começar meu conto! Não vai dar tempo, só tenho até às 23h pra entregar, senão ZaRay não vai aceitar. Espera aí: como assim? Aquele cabra-safado vai me barrar? Talvez fosse mesmo. Saudade do Raymundo. Moleque-travesso que me ensinou um bocado de coisa bacana. Inclusive a não levar as coisas tão a sério. Mas o que eu faço agora? Ainda tenho uma porrada de coisas pra fazer, pra entregar, pra organizar, não posso parar pra escrever meu conto. E ele tá ali, bonitinho, sobre a mesa, rascunhado, debaixo de tantas outras folhas “mais” importantes. Outra vez não vou participar, meu conto não será publicado. Porra, Raymundo, que merda de prazo é esse? O que eu faço? O-que-eu-fa-ço? Acho que vou desistir, não vai dar mais tempo de fazer e entregar meu conto. É isso aí, não tem mais jeito. Tenho tantas outras coisas pra fazer, melhor nem pensar nisso. Melhor cuidar da vida, voltar pros projetos, planilhas, textos inúteis, bobagens mercadológicas, etc, etc. Isso é o que importa, deixa de drama. É isso! Dane-se o conto, não tem jeito!
E sob a imensa pilha de papéis, a última folha foi sufocada para sempre.
Ricardo Siciliano
Rio de Janeiro - RJ
Um comentário:
Bom demais. O cabra sabe encher linguiça :) O que cabe bem no tema...rs
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