Chegava eu por volta das 7:15h da manhã daquele ano de 1999, daquela quarta-feira na famigerada academia de musculação, Jiu-jitsu, Kung-fu, Boxe, MMA e outros bicho’ mais, do famoso dono e lutador Jorginho.
Encostei minha bicicleta - que havia pego num rolo 3 domingos antes na famosa Feira de Areia Branca - na mureta, acomodada junto às demais dezenas de bicicletas do pessoal que frequentava a academia.
Entrei com disposição naquela manhã:
- Fala rapaziada! Fala aí, Jorginho... Seu morto!
- Morto tá tu, seu FRANGO!!!
Era, de fato, um relacionamento muito ‘amoroso’ que esse dono, professor, instrutor, esse ”tudão” da academia, tinha - e ainda deve ter - com seus alunos.
Fazia comentários do tipo: “Sai daí, seu merreca!” - aos risos - comentando que o camarada não tinha músculos. Ou ainda: “Tá deitando na agulha e se cobrindo com a linha rapá, vai se alimentar primeiro que tu “tá morto” – novamente aos risos.
Fiz um rápido alongamento e, como dizíamos na época, “chamei nos ferros”, bebi água, voltei pra bicicleta ergométrica, fiz mais uma sessão “puxada” nos ferros, 1 hora e 1/2 de academia e FIM! Passei a toalha no rosto, joguei-a nos ombros e fui saindo e me despedindo:
- Valeu aí, Jorginho!
- À noite tem Jiu Jitsu, hein, “MERRECÃO”! Vê se tu vem!
- Deixa comigo, venho sim.
- Traz aquele teu kimono pra fazer rolo, aquele teu A3 QUE TU SABE QUE NÃO CABE MAIS EM TU? (A3 é o tamanho do kimono, que vai de A1 a A5).
- Tá tranqüilo feião!
Saindo então da academia virei para a esquerda, e olhando para a mureta, procurei minha bicicleta que para minha surpresa simplesmente não estava lá! Olhei de um lado, de outro... Haviam várias outras, menos a minha!
Ainda sem querer aceitar que tinha sido roubado, olhei uma por uma, dos dois lados do muro, e simplesmente não achei.
Enquanto tentava, em vão, achá-la, um senhor do outro lado da rua gritou:
- Aaah grande! Não sabia de quem era... Passou um doido aí, lá do bairro “Tropical”... Ele tava com um saco na mão, com uns gatos pra vender... Sei que ele montou numa bicicleta aí e meteu o pé!
Pensei comigo, só pra variar:
- Um maluco com um saco vendendo gatos, dentre as mais de dez bicicletas, rouba JUSTAMENTE A MINHA? E afirmo, não era um camelo bonito, chamativo, enfim... Coisa que só acontece comigo!!!
Enquanto o senhor falava isso, eu andava exatamente pra posição onde antes estava minha bicicleta, e, naquele espaço agora vazio, havia um saco (dessas sacolas de pano antigas, de “sacolão”) e lá, PASMEM, havia um gatinho!
Gritei pro cara do outro lado da rua:
- AÊ SENHOR, tem um gato aqui dentro de um saco!
- Aaaahh, então foi isso... Péra aí! Vou aí ver!
Falou chegando, atravessando a rua. Olhou o saco, olhou pra minha cara:
- É, ele tava com esse saco aí tentando vender uns gatos. Acho que ele só não conseguiu vender esse aí... Sei não grande, ele deve de ter largado isso aí e meteu teu camelo...
- Porra, como assim??? Roubar uma bicicleta e largar um gato?
- Aí eu já não sei, grande, sei que é fácil encontrar esse safado rapá! Nêgo tá doido pra quebrar esse vagabundo. Ele vive roubando coisa aqui no bairro, dando volta nos outros... Diz ele aí que “esses gato” era tudo de raça... Porra nenhuma! É tudo vira-latão!
E eu pensando comigo: “Nessa altura do campeonato, arrumar um gato vira-lata, que trocaram à força na minha bike...”
Agradeci o coroa, que já ia se direcionando pra padaria, e peguei o gato, olhando pra cara dele...
- É parceiro, vou te levar pra casa um pouco, porque se eu chegar contando isso ninguém vai acreditar em mim!
E lá fui eu, subindo a avenida do meu bairro, suado, a pé, com um gato no colo pensando:
- Eh, tem coisas que só acontecem comigo...
Virei à esquina e entrei na minha rua. Vieram duas crianças:
- Ai, que lindo! Posso ver?
- Lindo? O que? Esse gato? - perguntei, espantado.
As crianças brincaram um pouco com ele e perguntaram:
- Qual o nome dele?
- Boa pergunta! ...Não, não... no caso... O nome dele, né? AH! É BIKE!!!
As crianças brincaram mais com o “Bike”, começaram a puxar o rabo dele e o bicho foi ficando “estressado”...
- Chega, chega! Tenho que levá-lo pra comer. Tchau!
Metros à frente cheguei em casa. Entrei por trás, pela cozinha. Minha mãe fazia algo no fogão. Meu pai sentado à mesa, comendo pão, disse:
- Que isso na tua mão?
- Isso é um gato, pai!
- É, no caso graças a Deus eu percebo isso!
- Pois é, que bom...
- De quem é esse gato?
Quando comecei a contar o que havia acontecido, meu pai aumentou a voz e chamou minha mãe:
- “Neguinha”, vem ouvir essa aqui!
Continuei a contar tudo, os detalhes do caso, o que o moço havia falado do ladrão, localização, bairro, etc, etc... Eles ouviram atentos, todo o desenrolar e meu pai perguntou:
- Hugo, pode falar... VOCÊ TROCOU A BICICLETA NESSE GATO?
- Como assim, pai?
- ROLO! Você FEZ ROLO com a bicicleta nesse bicho?
- ‘Coé’, pai? Tá de sacanagem? Eu vou trocar minha única bicicleta num raio de um gato?
- Não sei... É possível, né? Dá uma injeção de B12 nele! Vai que ele cresce e vira uma onça? Daí tu sobe nela e sai “vuado” por aí! – disse, rindo.
Eu já estava um pouco puto com a situação quando minha mãe falou:
- Ele é bem gordinho, né? Me dá ele aqui! - pegando da minha mão –
Minha mãe brincando, olhando pra barriga dele... - É, não é fêmea não, pensei que tivesse ‘de barriga’, mas é macho.
Meu pai em tom de deboche:
- Trocou uma bicicleta num gato gordo!
- Pai, EU NÃO FIZ ROLO! ROUBARAM A BICILETA E DEIXARAM ISSO NO LUGAR!
- Qual o nome dele, Hugo?
- Nome? Por quê? Eu não pensei em ficar com ele... Eu...
- Ah! Mas ele é tão bonitinho... - disse minha mãe, com tom de ternura.
- É, mãe, não sei não, falei pros meninos na rua que o nome dele era ‘Bike’, me referindo à minha bike que foi roubada...
- Ótimo nome! - Disse ela.
Aí meu pai, pra “fechar com chave de ouro”:
- Bike Barrigudinho, é esse o nome desse bicho? - disse, rindo.
- Pô, pai! Bike Barrigudinho?
Minha mãe levou o bicho próximo a meu pai, uma vez que ele não queria por a mão no gatuno, ela disse:
- Olha Fernando, como ele é bonito! Gordinho e bonito!
A essa altura eu já tinha colocado um café no meu copo. Sentei, puto, e comecei a comer um pão.
- Gudinho! - como meu pai me chamava.
- Pai, não quero mais falar nisso, na moral.
- Não, sério! Agora é sério... Você reparou nesse gato?
- Pai, eu não quero mais falar! Na boa...
- Gudinho, esse gato é VESGO!!!
- Porra pai, pára de aloprar!
- OLHA AQUI! O GATO É VESGO!!!
- Vai querer botar o nome do bicho agora de “Bike Vesgo Barrigudinho”?
- Não... Claro que não... Bike Barrigudinho tá ótimo, mas que ele é vesgo... ele é sim!
Minha mãe colocou Bike no chão enquanto procurava um pote para pôr leite para ele no canto da sala, em baixo da escada. E ainda esticou um paninho... E Bike Barrigudinho “caiu dentro” do leite, enquanto eu terminava meu café da manhã.
Meu pai abria o jornal enquanto tomava café. O gato tomava seu leite. E minha mãe já contava a novidade pra vizinha da frente, que varria a calçada.
- O Hugo arrumou um gato lindo, vou te mostrar. (E eu, lá de dentro de casa, pensando ao ouvir isso: “Porra mãe, o gato é barrigudo e vesgo e você chama de lindo?”)
Bike Barrigudinho ficou conhecido na rua, todos gostavam dele, era um gato divertido, brincalhão, ”um pouco” vesgo, confesso... Vivia no beiral do terraço e comia bastante. Engordou ainda mais nos primeiros meses. Minha família e as crianças da rua o adoravam. Muitas fotos foram tiradas... Bike virou “membro familiar”, como todo gato. Abusado, deitava e dormia no meu travesseiro, no sofá, via TV, escalava cortinas, deitava na cama dos meus pais – meu pai odiava isso!
Bike Barrigudinho se tornou um doce gato de estimação, lembrança viva até hoje nas conversas de família e entre amigos. E pra variar, eu, motivo de chacota!
- Lembra quando o Hugo trocou uma bicicleta por um gato?
- EU NÃO TROQUEI! ROUBARAM! QUE SACO...
- Aaahhh... Tá bom! Foi um “rolo forçado” né? – todos diziam, aos risos.
Na academia fui zoado durante dias, semanas, meses a fio...
- Cadê o Bike Barrigudo??? Traz ele pra malhar aqui cara!
- Vai SE F...!!!
- Fala, Hugão! O Bike tá estacionado aí na frente??? Cuidado pra não roubarem ele e deixarem um “sanhaço sem bico e com asa quebrada” pra tu!
- Aaahh maluco, vai pro INFERNOOOOOOOO!!! - dizia eu, irritado.
Por falar em sanhaço - já foram tantos, não no valor da palavra passarinho em si, mas na gíria, referindo-se a problemas que – bom...
Isso é papo pra outros contos.
Saudades do Bike Barrigudinho, dos rolos da Feira de Areia Branca, e juro, saudade daquela antiga academia!
Hugo Guimarães ou Hugudão ou ainda Gudinho é poeta, cronista, contador de causos, mora em Búzios no Rio de Janeiro, filho de Gudo e Gudinha, irmão de Jr Blue, Jan, Shi e Nika. Seu blog “Tirando da Gaveta Muita Manobra” (http://manobradaspalavras.blogspot.com/) é um dos meus preferidos da rede e esta história do gato Bike é impagável!
Um comentário:
Muito bom Gudinho !!
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