quarta-feira, 20 de abril de 2011

UM BOM DIA PARA MORRER

Lord Jay, estava sentado diante da janela. Um dia nublado e melancólico. Um bom dia para morrer, pensou. Mas, permanecia ali, sentado, olhando as pessoas passarem.

Lord Jay, lembrava dos dias de glória. O “Lord,” era por conta de uma brincadeira de um amigo de infância, da realeza, é claro. Era tudo muito glamoroso. Festas, mulheres, dinheiro, mansões, e, sobretudo, diversão, muita diversão. Jay, parecia mesmo um Lord. Tinha traços harmoniosos, aparência refinada, roupas caras e atitudes nobres. Seus gestos eram ensaiados e comedidos. O arquétipo da nobreza.

Não havia uma pessoa sequer no mundo que pudesse trocar confidências. Acostumou-se ao mundo das aparências. Repleto de gestos vazios e mentiras verdadeiras.

Repassava mentalmente as circunstâncias que o levaram àquele condição de vida. Olhou para o seu relógio de ouro rosado, Patek Philippe 2499, e constatou que faltavam apenas quinze minutos. Bastante tempo para desistir, aliás, para desistir, bastava um milésimo de segundo. De qualquer forma, ele já havia começado.

Acende um charuto cubano e dá algumas baforadas. Em pouco segundos o cheiro se espalhou pela sala. Ele agora estava envolto em fumaça densa. A cada minuto que passava seu coração batia um pouco mais rápido. Lord Jay, planejou tudo, mas nada poderia prepará-lo para aquele momento. Nunca pensou que tivesse coragem. Mas a coragem e a covardia são gêmeos univitelinos. Que seja. Ele pensou muito, antes de tomar a decisão. Algo precisava ser feito. Uma vida vazia era pior do que uma morte lenta e sofrida. Quantas vezes acreditou que poderia reverter a situação. Jay, sempre foi muito detalhista. Precisava ter o controle nas mãos. Levantou-se e observou o cadáver que jazia no chão da sala. Olhou mais uma vez para o relógio. Faltavam oito minutos para completar uma hora, desde de que aquele homem chegara à sua casa. Lembra de como foi fácil imobilizá-lo com uma injeção no pescoço. Era um pobre coitado que morrera dignamente. Estava mendigando quando o encontrou. Prometeu que lhe daria uma vida melhor, desde que chegasse em sua casa sem ser visto. Era uma questão princípios, explicou. Uma caridade anunciada não era bem visto no reino de Deus. As pessoas praticavam o bem para serem admiradas. O verdadeiro altruísta não chamava a atenção para si. Por um momento achou que ele não acreditaria na sua história, mas enganou-se. A ingenuidade era uma benção para aquele miserável.

Faltavam cinco minutos. Chegou a hora. Lord Jay saiu pela porta de serviço e, cuidadosamente, para não ser visto, desceu as escadas até o térreo. Eram apenas dois andares. Antes de sair na rua olhou para ver se havia alguém. Era um horário de pouca circulação. Não haviam câmeras ou porteiros. O prédio estava sendo desocupado para dar lugar a um centro comercial.

Atravessou a rua e entrou em um carro que estava estacionado. Salete, que estava sentada no banco do motorista, lhe sorriu afetuosamente. Ela era pontual. Ele gostava disso.

Um enorme clarão veio do prédio. Os dois se viraram para ver o fogo arder. Em pouco tempo, as labaredas cresceram muito. O centro da cidade ficava deserto no final de semana. Até que os bombeiros chegassem, todo o prédio já teria sucumbido. Ninguém perderia tempo examinando aquele corpo carbonizado. Só havia um morador naquele prédio, e era ele, Lord Jay. De certa forma, era fascinante ver o fogo destruindo tudo. Uma força implacável da natureza. Imparcial. Que destrói qualquer um que esteja no seu caminho. O dia estava terminando. A fumaça ia ganhando o céu. Não havia ninguém para testemunhar aquele espetáculo. Apenas Jay e Salete. Ela era a única beneficiária do seguro de vida que ele fizera à um ano. Estavam prontos para um novo recomeço. O carro se afasta lentamente. Logo os bombeiros chegariam. Tinham uma longa viagem a fazer. Através do espelho retrovisor, Jay, ainda pode observar o fogo terminar de escrever a sua história.

Odervan Santiago

Odervan Santiago é fotógrafo e às vezes dá uma de ator em alguma novela Global. Estava na nossa primeira experiência em escrever contos sobre um mesmo tema em 1995.

2 comentários:

Arte e Cultura Popular disse...

Claro uma nova vida com dinheiro no bolso,sempre...Vai vendo esse lord só tem pose!!!

Denise disse...

Parece que foi feito para o Bruno Piffardini ler.FICOU ÓTIMO!