Os conceitos e os preconceitos podem variar sob a ação do tempo e do lugar. Foi sem querer, mas eu rimei!
Para muitas famílias que compunham uma sociedade arraigada nas tradições e nos princípios de uma época distante, aquela criaturinha não parecia ter nascido pra vestir o corpo de uma menina. Ela acordava muito tarde todos os dias, tomava o café da manhã lá pela hora do almoço e logo depois saia pra rua pra brincar com a turma mista, composta por meninos e meninas, todos com mais ou menos a sua idade. Só voltava horas mais tarde pra filar e engolir rapidamente o almoço e tornar a desaparecer das vistas dos seus, que nem se preocupavam mais com os sumiços da pestinha.
Durante as brincadeiras de “piquesconde” Denize era o alvo principal dos coleguinhas É que ela se escondia com tanta responsabilidade que só era encontrada quando se cansava de ficar sozinha em seu recanto preferido. Denize sempre foi mestra em se esconder. Escondia-se de sua mãe quando pressentia que seria convidada a colaborar na faxina da casa; desaparecia da sala de aula quando sabia que era a próxima a ir ao quadro negro prestar contas do que aprendeu durante a semana; sumia na hora de tomar remédios, banhos e de tudo que não era do seu gosto.
De tanto brincar na rua com a meninada do bairro, aprendeu a soltar pipas, nadar no ribeirão, caçar passarinhos e jogar pelada na rua e nos campos de futebol. Digo melhor, uniformizada. E foi como jogadora de futebol que Denize começou a despontar com notoriedade de atleta profissional. Dentro do campo ela nunca se escondeu, pelo contrário, era quem mais aparecia. Descoberta por alguns olheiros, foi convidada para assinar um contrato de gaveta com um clube da cidade vizinha. Depois de algumas partidas disputadas pelo campeonato regional, onde Denize se sobressaia em campo com excelentes atuações, mas ainda sem convencer a maioria dos dirigentes e torcedores do clube. Denize seguia evoluindo na sua nova profissão. Os inflamados torcedores, a maioria, tinham-na no mais alto conceito, acreditavam no seu potencial e diziam com absoluta certeza:
- Denize é um “vulcão em erupção” com a bola nos pés!
A outra parcela, preconceituosa em relação ao futebol feminino, e que ainda não tinha muita certeza das qualidades da atleta, desconfiada, afirmava:
- Qual nada! Denize ainda é uma “craka à toa”, que terá que aprender muito e poderá evoluir ou não! Só vai depender dela!
Em verdade, Denize, bastante mudada na sua maneira de pensar e agir, evoluiu tanto em tão pouco tempo que logo no primeiro ano de contrato profissional foi convocada para a seleção do seu Estado, cujo técnico era irmão do treinador dela em seu clube. Contudo, logo, logo, o que era bom durou pouco. Por não ter ainda amadurecido e adquirido total domínio sobre a maneira de se conduzir, após uma inconcebível recaída comportamental, no momento em que era preparada para o primeiro confronto a nível interestadual, Denize saiu furtivamente da concentração e desapareceu atraída pela noite bem iluminada de uma metrópole convidativa e repleta de atrativos perigosos. Só durante o café da manhã do dia seguinte, quando era feita a chamada nominal das jogadoras, o chefe da delegação, notando a falta da atleta hospedada no alojamento número dez, perguntou ao responsável pela segurança:
- Cadê Denize? Eu ainda não a vi hoje!
Como não foi possível responder à indagação do chefe, a jogadora foi cortada imediatamente e afastada do elenco quando já estava escalada pra sair jogando.
Assim que foi confirmada a ausência da atleta das instalações do hotel em que esteve até horas antes, e também para que a ordem fosse mantida, Denize foi desconvocada, retirada definitivamente do grupo e mandada pra casa. Ao retornar ao seu clube soube que o contrato que a vinculava à Agremiação que defendia, havia sido rescindido por motivos disciplinares.
Desempregada, envergonhada e arrependida pelo ato impensado que havia praticado, Denize passou a se esconder dos credores, dos ex fãs e, principalmente, de si mesma.
Gelson Maciel Amaral - gelsonmaciel@yahoo.com.br - Quarta-feira (04/05/2011)
Seu Gelson conheceu os EnContos por conta de Seu João, pai de Sil. Eram vizinhos, mas nenhum dos dois sabiam que tinham talentos ao seu lado. Os EnContos em Nova Iguaçu acontecem a duas casas de Seu Gelson. E com isso descobrimos uma das figuras mais dedicadas a literatura de Nova Iguaçu. Nunca falta. Participa de tudo. É uma honra tê-lo aqui em Recife!
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