quarta-feira, 8 de junho de 2011

Cadê Denise, onde ela se meteu?

Faz um tempinho, ou melhor, um tempão que Mateus, meu grande amigo morreu. Foi num domingo de carnaval me lembro como se fosse hoje: todo mundo bêbado, mulher pra danado, muita cana. Era no gargalo. Foi na madrugada que vi muita coisa estranha: mão aqui, mão acolá, freira de chamego com o morto, Paixão mortinha de paixão e por aí vai, mas, tem uma aparição que não consigo esquecer. E olha que fiz um esforço danado, mas num tem acordo volta e meia eu vejo a cena vibrando na minha frente. Danilo, tu diz que é castigo, pois eu sou muito abelhudo, curioso, pareço mais uma fêmea, não consigo me controlar e naquele velório eu não podia deixar por menos, era muita informação, muita coisa doida rolando. Lembro que quando amanheceu os meus olhos estavam tão secos que eu nem conseguia piscar. Também pudera, o tempo todo de olho aberto sem deixar passar nada, nadinha mesmo. Parecia fiscal atento a tudo e a todos, não escapava nada. Uma barreira. Mas escapou. Sim e ainda hoje não me perdoo. Não podia acontecer o acontecido. Ah! Aquilo não. Tudo menos isso eu de olho bem aberto, aboticado mesmo e num dado momento dei uma bobeira. Toda vez que me lembro tenho vontade de bater com a cabeça na parede. Haja castigo. É, filho, quem muito quer saber... Vem não, Jonas, essas besteiras não funcionam comigo, vai, me diz como é que eu podia fazer mexerico com um defunto, esqueceu que Mateus tava mortinho da silva? É, meu chapa, o de bêbado eu sei que não tem dono e agora aprendi mais uma: o de morto... Sei não ou sei? Deixar de suspense? O negócio é muito doido não dá para pensar diferente. Você está brincando. Certeza mesmo eu só tenho da morte. Se era ela mesma? Não reconhecer aquela figura é maldade de vocês. Só sendo piada. Eu nunca iria esquecer aquela criatura. Peguei sim, peguei de verdade. Hoje isso não vem ao caso. Naquele tempo era diferente. Todos estavam vivos, vivinhos, bulindo e bolinando. Tudo bem, Mateus sempre chegava primeiro. Raramente um de nós tinha essa sorte. Mas leseira como aquela só no velório do falecido. Tinha que ser, não podia ser diferente o espírito dele tava ali rondando de tocaia. Me lembro bem, eu tava sentado no fundo do lado direito conversando com Nalva. Depois que ela foi embora teve uns lances fortes mas, deixa pra lá, que a história agora é outra. Nesse meio tempo tenho certeza de que não cochilei, tava muito ligado. Nalva tinha uma grande qualidade que para uns era defeito, gostava de gastar só com coisa boa, tudo de primeira e não ia ser diferente no velório do seu grande amor. Se ela tivesse chegado mais cedo a gente não teria tomado cana e sim scotch, doze anos. Estou certo, Danilo? Mania de finesse tava ali sempre presente. Saldar os compromissos aí era outro momento. Difícil... penoso até, principalmente para quem fornecia a mercadoria: fosse qual fosse. Da calcinha ao batom, do anel ao baseado tudo, tudo mesmo. Se fosse fácil não tinha a mãozinha dela no negócio e dava para o neguinho desconfiar. Que mulher encrenqueira. Não era bonita nem feia, exótica. Nem magra nem gorda, gostosa. Nem triste nem risonha apenas simpática. Tudo nela era exato: nem mais nem menos. Sempre dominou e ainda domina. Lógico que não é mais a mesma e nem por isso perdeu o ar de mistério. Na dela. Na medida. Muitas vezes passei na casa do falecido e ela tava lá toda arrumada na cozinha. Gostava de fazer umas comidinhas, o detalhe é que sujava demais. Hoje estou com dor de corno. Tais vendo Jonas no que dá ficar lembrando essas coisas? Passado é passado não se deve mexer, o danado é que eu não consigo esquecer. Foi incrível. Vê, estou arrepiado é sempre assim. Besteira, não é tu, leso. Por que não gosto de falar? Falar eu falo, só não gosto de dizer a cena e faz sentido, pois uma coisa daquela a gente tem mais é que esquecer. Melhor é deixar quietinho lá no fundo dos pensamentos sem dar muita confiança para ela não criar fôlego e ganhar corda. Eu sei que naquela madrugada as viúvas estavam dormindo e não viram nada. Isso me consola. Já pensou se tivesse sido mais cedo? Sei, acabava o mistério. Todo mundo ficava sabendo em tempo quase real, a fofoca estava na boca do mundo inteiro era um disse me disse dos diabos eu não precisava ficar guardando essa história por tanto tempo. Mas, e o mistério? Vou contar nada. Só digo uma coisa: foi de assombrar até defunto. Meu amigão tremeu no caixão. Deixa de ser bobo, Danilo, vai ficar emburrado de novo? Que cabra mais abestalhado. Jonas, conto ou não conto? Coisa mais boba nada, um bando de macho curioso e ainda dizem que eu pareço fêmea. Não adianta pressionar, por hoje basta. Vou embora, cadê Denise, onde ela se meteu?

Lucia Moura
Recife, 16/05/2011

Lucia Moura é um dos pesos pesados da literatura pernambucana. E figura sempre presente e de importância impagável em nossos EnContos. Um privilégio!

Um comentário:

silvana disse...

Muuuuito legal!!! De prender a atenção até o final.