quarta-feira, 8 de junho de 2011

Cadê Denise?

Admirando o vestido azul turquesa com detalhes rendados em marfim na vitrina daquela loja do centro da cidade, imaginando sua amada recheando o modelito foi que, pela primeira vez, percebeu que nada mais existia de seu passado ali. E a mente e ao coração veio-lhe a pergunta definitiva: Cadê Denise?

Pergunta que se fez, quase sorrindo, sabendo a resposta mais do que qualquer um na face da Terra. Desde quando resolveu assumir sua sexualidade, não mais como uma doença - que todos diziam que possuía - e sem medos – que sem querer nutria - ela sabia que enfrentaria preconceitos, questionamentos e lamentações.

Mas melhor encarar os fatos do que viver presa e infeliz. Viver uma vida que não era a sua. O que adiantara te vivido tantos anos agradando os outros e nunca se reconhecer em gestos, gostos e nem mesmo no espelho. Sentir-se culpada por se achar errada. Era dela o erro. Ela quem não se esforçava para ser normal. O mundo era correto e ela destoava.

Quando pequena, descalça pelas ruas do bairro, correndo atrás de pipas, jogando bola com a garotada, saindo na porrada com quem lhe encarasse, se sentia uma criança normal até que os vizinhos começaram a falar e sua mãe vendo em sua menina um moleque com joelhos feridos e tatuados por cicatrizes, proibiu-a de brincar na rua.

Encheu seu quarto com Barbies, Suzis e afins. Obrigando-a brincar de boneca. Mas as bonecas se beijavam entre elas. E quando começou a brincar só com meninas é que começou a se sentir atraída por elas. Não pelo mundo das meninas, mas sim pelos seus encantos, graças, beleza e sensibilidade.

Travou árduas batalhas internas. Queria ser normal, queria ser igual, queria não sentir o que sentia. Ou não era nada disso: queria ser assim mesmo, pois assim era o seu normal. Não queria ser igual. O que há de fascinante em ser igual? Queria sentir exatamente o que sentia, pois era um sentimento maravilhoso.

Sua família jamais acataria sua decisão. Não necessariamente por moralismo, mas por pudor perante a sociedade. O que diriam? Como reagiriam? Lembrava disso, quando contemplou duas jovens meninas passarem de mãos dadas, apaixonadas. Suspirou exclamando:” Como a sociedade mudou!”

Em sua época houve desmaio. Gritos. Choros. Acusações. Xingamentos. Ameaças. E tudo que só poderia derrubar alguém - tão dilacerada pela dúvida e pelo medo - como ela. Alguém que só precisava um pouco de apoio, para olhar a vida sem as lentes embaçadas e distorcidas do preconceito. Pobre criança.
Em seus 16 anos enfrentou o mundo e saiu vitoriosa. Pois o que aparentemente derrubar-lhe-ia, a tornou mais forte. Mesmo com todo o drama criado por sua família, sentiu pela primeira vez que respirava de verdade. Quando saiu de casa, olhou a rua com o mesmo olhar que a encarava quando ainda era uma criança. Com a mesma pureza que a liberdade pode oferecer a um pássaro recém solto da gaiola: possibilidades.

E o mundo então de fato se tornou normal, com suas dificuldades comuns, momentos felizes, decepções, conquistas, sorrisos, lágrimas, mas acima de tudo com o total poder sobre sua própria vida.

Olhou o espelho da loja e se perguntou: “Cadê Denise?” e sabia a resposta, por que hoje sim, de fato, ela passara a existir!

Cézar Ray
10 de maio de 2011

Cézar Ray as vezes sou eu, outras vezes nem sem quem é. No geral é um cara legal. Mas como vacila...