Minha primeira impressão de Chico Science & Nação Zumbi foi de total estranhamento. E olha que eu li muito a respeito do som que eles faziam, antes mesmo de ter acesso ao primeiro disco da banda. Na verdade, antes mesmo de ouvir uma única música da banda.
Era início de 1993 e a revista voltada ao rock (existia a Rock Press também) era a BIZZ (ok, pop rock) e através de minha irmã Cláudia (mais velha que eu) pude acompanhar desde o número zero. Com ela (a revista) conheci tudo que sempre me foi muito caro para o resto de minha formação musical. Ali eu li e depois comprei discos de bandas como Echo and The Bunnymen, DeFalla, The Smiths, The Cure, Felline, The Cult, Colarinhos Caóticos, PIL, Black Future, Picassos Falsos entre algumas bandas fodaças dos anos 80.
Quando os anos 90 chegaram, as bandas que faziam rock ou eram em inglês - emulando o som da época (bandas fantásticas, aliás), ou bandas já consagradas, recriando suas fórmulas, hora felizes, hora trágicas... foi uma época – para mim – ruim.
Comecei a frenquentar o Daniel’s Bar exatamente quando os anos 80 acabaram e meu pai teve um derrame. Era um bar onde tínhamos a possibilidades de conhecer música, porém somente ao que convencionou-se ser chamada de MPB. Conheci muito do que se fazia e o que tinha sido criado nesta vertente, anos antes. Comecei também a frequentar amigos que passaram a ter importância prioritária em minha vida. E todos eles só curtiam MPB e Samba.
Mas sei lá, sempre correu em minhas veias o Rock’n’Roll e não consegui ao todo abandonar minhas origens malditas. Eud Pestana já havia me apresentado aos Mutantes, André Eira ao Pixies, Moduan Matus ao Premê, Blue e Alcides Eloy ao Arrigo Barnabé... mas eu queria mais. Queria ter uma banda para mim, como foi a Legião Urbana em 1985 ou o DeFalla em 1987. Queria alguma coisa que me fizesse respirar desesperadamente. E veio o programa do Maurício Valadares no início dos anos 90, chamado RONCA RONCA.
Trabalhava com um jornalista chamado Celso Reader e ele era fã do programa de MauVal e me gravava fitas do mesmo, que era transmitido pela Fluminense FM e que na minha casa - no Jardim Ulisses - não pegava, ou quando pegava, tinha mais ruídos que conversa de bêbado.
Numa dessas fitas havia uma banda chamada Jorge Cabeleira, da qual fiquei fascinado. Era rock pesado com sotaque nordestino. Rock’n” Roll pela primeira vez tupiniquim, Dali ouvi Raimundos, outra pedrada nacional pesada. Uma turma desafiando o mercado com cultura nacional e som pesado. E nas leituras estavam lá Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S.A... e eu precisava conhecer isso.
Numa tarde num passeio pelo shopping Rio Sul, com minhas irmãs, entrei na loja Hi-Fi e perguntei a atendente: “Tem Jorge Cabeleira? Tem Chico Science (que eu falava Cience) e Mundo Livre?” Tinha dois, o primeiro e o segundo. Comprei. Alucinado, não via a hora de chagar em casa para ouvi-los. Mas só fui escutar no dia seguinte.
De cara, Jorge Cabeleira me provou que o aperitivo do Ronca Ronca era tudo que eu achava novidade na música nacional. Ouvi Chico e achei estranho... Hip Hop demais, batucada que não me era familiar. Muito estranho. Jorge Cabeleira, não. Rock e forró, Rock e Alceu, Rock e Gonzagão, Rock e Zé Ramalho. Este era o som. Mas não desisti de Chico. Gravei uma fitinha com as duas bandas e passei a ir trabalhar ouvindo aquilo. De um lado o Som de Jorge e do outro a estranheza da Nação Zumbi.
Não esperava que o mangue boy dominaria, não só a minha preferência como a minha vida. Aquilo era NOVO de verdade. Nunca havia ouvido Maracatu. Nuca tinha ouvido coco, embolada, ciranda, e nem ouvido versos do Hip Hop com frases tão esquisitas como as que ouvi ali. Gírias, sotaque e um dialeto quase indecifrável.
Não mais consegui ser o mesmo. Alguma coisa mudou em mim. Queria saber de onde vinha aquilo, porque era assim. E dali passei a pesquisar sobre toda a cultura pernambucana como um fanático. E com isso aprendi tantas coisas que sou incapaz de relatar aqui.
Posso dizer que por conta disso passei a ouvir música de raiz nordestina (sem mistura) passei a ouvir samba, passei a ouvi Hip Hop, música eletrônica e muito mais. Chico abriu tantas possibilidades como ninguém nunca havia aberto em toda a minha vida. Da poesia a postura. Do cinema a moda.
Chico foi um divisor de águas para mim como nenhuma banda (nem a mais punk de todas) pode ser. E até hoje ninguém conseguiu chegar perto.
E se moro em Recife, muito desta história tem a ver com Chico Science & Nação Zumbi. E tenho tanto ainda para falar sobre isso que deixo para uma segunda oportunidade, muito breve, mas é melhor deixar para depois...
5 comentários:
Escreveu bonito..
Culturalmente, Pernambuco exala autenticidade e essa característica nasceu com o Manguebeat. Lembro do primeiro show de Maracatu que fui, em Garanhuns. Vi Côco Raízes de Arco Verde, dancei ciranda e me apaixonei. É muito lindo ver as pessoas de mãos dadas, dançando junto, felizes. Sempre achei interessante o fato dos pernambucanos cantarem as músicas de Nação com tamanha força e vontade, vibrando com cada toque de alfaia, cada mexida do xequerê, chega a ser contagiante. Você se sente parte daquilo, daquela gente, isso torna a adaptação mais fácil. Eu que já morei em vários estados, nunca me senti tão em casa como aqui em Pernambuco. Sinto como se fosse minha terra. Sou pernambucana de coração..
Adorei esse post e ri muito com Chico "Cience".
Beijos flor de siriguela!
Ei...
Faltou você falar de quando você veio pra Recife em 94 (eu acho que foi esse o ano que vc disse)e que queria encontrar o Chico.
Mas o texto tá massa!
Muito legal. Assim como Vanessa, também me sinto em casa aqui. Me adaptei de maneira muito mais fácil do que em Salvador, por exemplo.
Mas o cara que me encantou de cara e eu nem sabia que era pernambucano foi Lenine.
Sempre fui ligada em MPB e num domingo, assistindo a um programa chamado Bem Brasil na TV Cultura, vi esse cara ao vivo e me hipnotizei.
Logo que cheguei a Salvador morei num hostel na Rua Recife e depois num hotel na Rua Pernambuco.
Comecei a estudar na UFBA e na primeira viagem com a turma de lá vim parar no Recife. Era de quinta a domingo. O pessoal foi embora no domingo e eu fiquei.
Lembro da minha amiga dizendo:
- Vocë vai ficar pra sempre?
- Não. Só mais uns dias...
Enfim... gostei tanto que vim morar pra cá, também por acaso.
Gostei muito da energia do Recife Antigo e de como os artistas compartilham aqui. Claro que guerrinha de ego tem em todo lugar. Mas tem uma coisa mais light aqui, mesmo com as ego trips.
Por acaso estou aqui.
Bora aproveitar né?
Muito Além do Teu Texto Esta A Lembrança Que Ele Trás...Super Viva...E Ainda O Encontro...Putz!!! Embora Em Ambientes Diferentes, Tambem Viví Esta Máxima de Bizz e Procura De Discos...Que Normalmente Encomendava Ao Jorginho da Playdisc Em Nova Iguaçu (loja que o Lazão do Cidade Negra Trabalhou)...Ou Na Hi Fi No Rio Sul...ahahah...Porra, Nova Iguaçu era O quintal de Casa...Mas A Zona sul Sempre Foi Foda Pra Mim...Não Gosto e Na~um Gostava...Mas Era Legal Curtir Esta Garimpagem...Depois Ate Q Me Acostumei Com O rio Sul - E Vivia comprando Panos Pretos da Boys And Girls - Eu E a Mãe de Meu filho...Com O Chico O Meu Encontro Foi Mas Fácil...Cara Eu Tenho Uma Fita Q transformei Em CD (chiando Pra Caraio)...Com Ele No Estúdio Transamérica...Fodaaaaaaaaaaaa...Quer Copiar?????Faz O Meu Set...
Ray, que texto maravilhoso, que resgate das minhas memórias, que em determinando tempo e espaço teve o privilégio de convergir com a sua. Sinto muita falta dessa agitação cultural, hoje substituída pelo rodízio de vulgaridades cujas batidas monocórdicas embaralham minha mente a ponto de não saber quem está cantando, que música está cantando, ou seja, eu nem sei mais o que sou o o que me tornei nessa sociedade. Acho que um dia serei encontrado num sítio arqueológico, exposto em museu. Mas é assim que a banda toca. Dentro de mim toca o que eu quero. Talvez por isso a minha revolta. Transborda. Ainda bem que você me compreende né? Ou não? rss.
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